Miss Potter (idem), de Chris Noonan
(Inglaterra, 2007) por Paulo Santos Lima
Imagem estática O pecado
maior de Miss Potter é seu comedimento. Um recato que repercute na construção
imagética, e que é resultado de uma fidelidade extrema a algo que se pode chamar
de “original” – no caso, a obra e vida da desenhista e escritora de livros infantis
Beatrix Potter. Sim, “obra e vida” fundidos como algo único, pois o filme não
terá preocupação em reconstituir a época na qual ela vivia, mas sim um procedimento
consagrado pelo cinema biográfico somado ao universo criado por Potter - de uma
grande virtuosidade, verdadeiro marco do prosário infantil, tamanho seu ineditismo
(vanguardismo?) visual e temático (como pode bem ser visto na imagem acima). Em
uma frase, Potter fez “típica” uma gama estilística referente ao universo infantil,
uma caligrafia que ainda faz vinco hoje, como modelo clássico, em brinquedos,
livrinhos e o diabo a quatro destinados à molecada. Pois
Miss Potter, aderindo à reverência, faz o oposto de sua idolatrada. Longe
de exigir aqui um trabalho paranormal para retratar a produção desta artista inglesa,
mas essa preocupação pela fidelidade acontece, na prática, numa fusão entre o
romanesco e o fabular. Ou seja: a câmera posta-se morfética para construir os
planos (todos com palheta de cores primas das ilustrações de Potter) e uma história
que caminha junta à literatura burguesa do século XIX, com uma maluquinha Potter
(Renée Zellweger), ao mesmo tempo ousada e dentro dos conformes morais – e, claro,
inserida na lógica capitalista da produção e... da reprodução (apaixona-se folhetinescamente
por seu editor, o cândido Norman Warne (Ewan McGregor)). Nesse
processo de aproximação fotocopiada, o filme de Chris Noonan recorre a um modelo
convencionado, que, ironicamente, pega como paradigma justamente a obra de Potter:
dos filmes da Disney aos telefilmes mais ordinários, de Mary Poppins a
Harry Potter. Não o faz pelo viés audiovisual, mas sim literário. Família
de Beatrix cindida entre a rigidez da mamãe e irreverência do papai mais libertário,
expectativas quanto ao êxito da publicação dos livrinhos, franquia entre a irmã
de Norman e a protagonista, desconfiança elitista, enfim, tudo isso nos é mostrado
por meio dos diálogos, corpos engessados como num teatro e interpretação idem:
num filme que teria como última salvação o acting, mas onde o rosto de
Zellweger é uma máscara amassada pelo overacting teatral. O
que ilustra essa falta de atitude cinematográfica o uso do a melhor idéia do filme:
quando, por via dos efeitos especiais, mostra o imaginário abilolado de Beatrix,
com os bichinhos ganhando literalmente vida no papel. São momentos nos quais a
imagem tenta nos contar algo, mas que acabam logo estancados pela fala da personagem,
que delineia tudo aquilo que poderia ser de uma grandissíssima ambigüidade entre
realidade e delírio. Que
haja dúvida, contudo, que a inexpressividade de Miss Potter o coloque à
margem de seu tempo. Pelo contrário, ele responde ao seu tempo, pois peleja pela
reprodução a um original que o antecede — que antecede o próprio filme, ou seja,
à sua imagem —, tal qual as tantas adaptações de quadrinhos para o cinema. É a
natureza inicial do cinema, que era uma reprodução fotoquímica das coisas do mundo,
e que incentivou uma exigência pela fidelidade ao objeto retratado, tirando assim
a maior característica do cinema: construir seu próprio mundo. Pegando a citação
das HQs, enquanto o genial Hulk de Ang Lee recorria aos splitscreens
para reconstituir a experiência de ler os quadrinhos (encontro com a imagem),
o Batman de Christopher Nolan tentou a fidelidade pela literatice dos gibis,
optando pelos balões de diálogos através do áudio e redundância visual. Miss
Potter reconstitui uma experiência que é, por si, anti-cinematográfica. Se
lhe resta alguma virtude, é a de facultar interesse em aprender sobre a obra de
Beatrix Potter –mas isso poderia ser habilmente resolvido com um cartaz imperativo,
recurso publicitário ou mesmo um link bem destacado – ou este aqui, simpatissíssimo. Mas... um filme?!
De fato, Miss Potter é tudo, menos cinema. editoria@revistacinetica.com.br
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