in loco - cobertura dos festivais

Notícias do Lar / Notícias de Casa (News from Home/House),
de Amos Gitai (Israel/França/Bélgica, 2006)
por Leonardo Mecchi

Maktub

Como projeto documental, Notícias do Lar / Notícias de Casa é um objeto interessante. Gitai acredita no documentário como um sítio arqueológico, onde as histórias são escavadas a partir dos locais e personagens retratados – em contraposição à ficção, que se aproximaria da arquitetura ao construir histórias a partir de uma idéia. É dessa forma que ele retorna, 25 anos depois, ao mesmo local onde filmou House, uma metáfora para os confrontos em Jerusalém através da história de uma casa que passou dos palestinos para as mãos do governo israelense durante a guerra de 1948.

Esse retorno ao passado, de modo a investigar o que aconteceu com os personagens daquele primeiro filme (artifício que remete à obra-prima de Coutinho, Cabra Marcado para Morrer), leva o diretor a retratar a diáspora daquela região, onde todos – israelenses ou palestinos – parecem estar deslocados daquele ambiente, como se habitassem um lugar que não lhes pertence e sofressem com a saudade de suas terras natais. Daí a recorrência dos álbuns de família durante as entrevistas, uma forma de se buscar um contato com suas verdadeiras origens.

O colega Cléber Eduardo, em uma troca de mensagens, afirma sobre o filme: “Seu voice over no início gira em torno da sensação de cansaço e esgotamento de seus entrevistados, mas, trocando a contundência (às vezes vista como anti-sionista) de seus outros documentários por uma visão mais fraterna e despida de conflitos, percebemos esse cansaço no próprio Gitai. No lugar do confronto, temos o congraçamento. É como se a atitude política de militante do diretor, sempre batendo com contundência nos abusos do Estado (de Israel), fosse substituída por uma impotência doce, de quem fracassou em seu projeto, embora se mantenha fiel a seus princípios motivadores. Percebe-se uma perda de força, mas, mais que fragilidade, isso me parece sintoma de momento, tanto do cinema de Gitai como da pessoa dele em relação a seu entorno”.

O foco em personagens de classe média-alta, tanto israelenses quanto palestinos, leva a uma série de declarações, de ambos os lados, de que o passado está feito, de que se deveria esquecer o que passou e pensar o futuro a partir do que se tem hoje. Ou, nas palavras da imigrante turca que hoje habita a casa retratada pelo filme original: “Eu não sou responsável pela História. Não posso fazer nada para mudá-la, nem tampouco quero”. O que está feito, está feito. Tal discurso dominante só é quebrado quase ao final da projeção, quando o diretor retorna à casa de um dos humildes trabalhadores retratados no filme realizado 25 anos antes.

É lá que, na cena mais forte e interessante do filme, Gitai é confrontado pelo filho do personagem original que, sem meias palavras, cobra do diretor um débito histórico do povo palestino, uma explicação sobre incoerência por trás de uma democracia que proíbe que ele construa um lar para seus seis filhos em um terreno que pertence à sua família há várias gerações, mas que, ao mesmo tempo, desapropria terrenos para que imigrantes judeus construam novas casas. O silêncio do diretor diante do desabafo daquele personagem apenas reforça o desconforto diante da conclusão do filme: um off de Gitai sobre uma parábola que prega que, quando não se dispõe das respostas para um problema, resta contar sua história. Uma premissa pequena demais para uma arte que já se mostrou à altura de ambições maiores.


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