Oscar Niemeyer - A Vide é um Sopro,
de Fabiano Maciel (Brasil, 2006)
por Lucas Keese

Elogio do consenso

Projeto iniciado em 1997, próximo às comemorações dos 90 anos de Oscar Niemeyer, o documentário de Fabiano Maciel chega finalmente aos cinemas, depois de alguns festivais, com o arquiteto agora já quase centenário – sendo exibido em São Paulo em um único horário e sala (Cine Bombril), em uma sofrível projeção digital.

“A vida é um sopro”, subtítulo do filme, indica bem o que Oscar Niemeyer faz com seu personagem: enfileira dúzias de características de Niemeyer e as condensa (ou reduz) no tipo idiossincrático que faz às vezes de filósofo ensinando algumas verdades (sublimes) da vida. Verdades que resultam em nada mais que uma poeticidade enlatada, unânime em seu sucesso com o público. Não se trata de exigir que o filme seja tão inovador em sua abordagem quanto seu personagem (ou como ele mesmo enfatiza sobre a arte: “arte é invenção”). Mas, se o ângulo-reto ofende o espaço, como disse Eduardo Galeano em seu depoimento, tal falta de risco cinematográfico ofende o cinema. O que nos diz a forma desse filme senão a total ausência de risco em sua elaboração? O pressuposto é que a melhor maneira de abordar um personagem tão grandioso como Niemeyer é ser didático e contemplativo, como se a preocupação fosse somente em não atrapalhar o brilho natural do personagem. Uma maneira de legitimar-se pela ausência, como se o que vemos na tela não fosse um filme, mas o personagem apenas. Não gostar do documentário seria não gostar do próprio Niemeyer.

Felizmente, não se trata disso. É necessário responsabilizar o filme (recheado de depoimentos de personalidades, estratégia típica de sua vontade de cortejo e reverência) pelas escolhas feitas, e entendê-las como criadoras de sentido sobre a vida e a obra desse arquiteto. Devemos, portanto, colocar em questão esses próprios sentidos, pois diferente do que parece sugerir o filme, nem Niemeyer, nem sua arquitetura morreram e estão petrificados.

Além dos depoimentos de amigos e admiradores (alguns até interessantes, entre os habituais elogios) estão lá os depoimentos do próprio Niemeyer, colhidos em diversas ocasiões e que conduzem a maior parte do documentário. Condução que se mostra redutora, já que Niemeyer não tem muito interesse em aprofundar as contradições que cercam sua obra e o filme parece utilizá-lo como desculpa para também não fazê-lo. A construção de Brasília, palco fecundo para discussões sobre, por exemplo, o revestimento asséptico das obras que escondem a maneira como foram produzidas, dando a sensação de que as cúpulas do congresso pousaram delicadamente ali e não foram construídas por um exército de operários em péssimas condições, recebe apenas um breve comentário desiludido. Do mesmo modo, em questões sobre a funcionalidade da arquitetura, o filme se utiliza autoritariamente da fala do personagem para esvaziar a questão, como se fizesse apenas mais um “x” na lista de tópicos.

No final, o que acaba registrado em seus depoimentos é, na maioria, repetição do que ele diz sempre em entrevistas. Estão lá as máximas sobre a vida ser mais importante que a arquitetura; a necessidade da surpresa com o belo; a simplicidade dos conceitos; o chamado à militância política; o elogio à mulher e suas curvas (a própria frase “a vida é um sopro” já foi publicada em diversas entrevistas). Assim como repetidos também são os enquadramentos das obras, reproduzindo em filme o mesmo estilo dos milhares de livros de arquitetura ilustrados com fotografias de seus trabalhos – com exceção de um ou outro movimento de câmera mais audaz, mas que ainda assim permanece nessa lógica de ilustração especializada.

Esse colar-se ao personagem, essa aproximação ao seu olhar, ao invés de projetar para tela o potencial de resistência e indignação presente em sua obra, domestica-o pela própria homenagem chapa-branca. Nada mais conformista que reproduzir Niemeyer em sua aparência unânime, esvaziando sentidos e perspectivas verdadeiramente críticas, reduzindo-o a uma história superficial e escondendo sob essa superfície tanto contradições mais fortes, quanto a beleza proveniente do personagem para além da figura idiossincrática, mera decoração das consciências bem-intencionadas no belo e no justo.

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