in loco - cobertura dos festivais
Nome Próprio, de Murilo Salles (Brasil, 2007)
por Eduardo Valente
Na casa com Camila Sejamos sinceros:
sob o impacto de Seja o que Deus Quiser!, filme que se perdia na vontade
de falar de uma contemporaneidade pelo viés de um humor quase chanchadesco e caricatural,
era difícil saber o que esperar deste outro mergulho de Murilo Salles por uma
vivência jovem atual. No entanto, o fato é que Nome Próprio talvez seja
um dos melhores filmes nacionais a se voltar para os personagens jovens em muito
tempo, criando ao mesmo tempo um mergulho radical numa subjetividade sem estereótipos
(ou, pelo menos, sem mais do que o tanto deles que nós mesmos acabamos vivenciando
no dia a dia) e uma capacidade de traçar um painel de personagens que nunca soa
como “exemplificante”, e sim um universo particular. Dentro
da sutileza de construção que o filme quase sempre atinge (há uma ou duas sequências
menos felizes), chama a atenção tudo aquilo que ele deixa de fora da trama, para
que criemos o universo destes personagens para além da tela: isso está nas caixas
que a mãe manda sem se tornar uma personagem de fato no filme (e assim a personagem
principal não se torna nem uma “abandonada”, nem uma “revoltada”); está na caixa
de emails e no blog da personagem (onde de vez em quando percrustramos outras
linhas narrativas propositalmente não exploradas apenas lendo subjects
de emails ou trechos de posts no blog); está finalmente naquilo que o filme
não revela de vários dos personagens coadjuvantes (o que acontece com Márcio depois
que ele some? e com Mari? e a relação anterior de Paula com Camila?). Embora
possamos considerar que parte da força do filme venha dos originais de Clarah
Averbuck e dos outros “blogueiros” com que Murilo trabalhou seu material, pelo
menos dois elementos puramente audiovisuais são essenciais para o sucesso de Nome
Próprio: primeiro, a fotografia do próprio Murilo (dividida com Fernanda Riscali),
que consegue um trabalho belíssimo de criação de ambientes nos interiores (principalmente
no apartamento da protagonista) e, ao mesmo tempo, quando vai para a rua, dá uma
enorme vida e beleza tanto aos ambientes “reais” (estádio de futebol, bares da
noite, lan houses) quanto ao pouco que vislumbramos da cidade, principalmente
pelas janelas. O filme é um dos grandes triunfos até agora do cinema em digital
no Brasil, realizado por uma câmera que ao mesmo tempo que não sofre das limitações
da imagem típica do digital (cores, definição, claro/escuro), incorpora à sua
linguagem uma série de trabalhos de pós-produção que trazem o digital como ferramente
fundamental (destaque aqui para o uso dos textos na tela, que além de adequado
à personagem, são usados com bastante inteligência). Murilo dá ainda à sua câmera
uma elegância notável, alternando planos fixos com delicados movimentos de traveling
e câmeras na mão, sem tornar nenhum destes registros uma “muleta” para construir
uma linguagem que preceda a cena: para cada momento, para cada mudança de trajetória,
há uma maneira visual de captar o mundo. Mas,
se há pouco dizíamos aqui na revista que um filme
como Carreiras deveria ter sua autoria creditada tanto a Domingos Oliveira
quanto a Priscila Rozenbaum, o fato é que Nome Próprio é um filme de Murilo
Salles e de Leandra Leal. A atriz constrói com sua Camila uma personagem de nuances
constantes, incrivelmente explosiva e introspectiva ao mesmo tempo. É uma personagem
que nos acolhe nos braços e nos faz querer seguir com ela ao longo da duração
(um tanto exagerada, diga-se – o filme poderia ser bem mais poderoso com meia
hora, ou uma ou duas subtramas, a menos). Há uma série de momentos francamente
impressionantes no trabalho de Leandra, sendo que o maior deles talvez seja mesmo
a sequência da transa com o rapaz de Ribeirão Preto (aliás, um dos destaques dentro
de um elenco de apoio também incrivelmente preciso): trata-se de uma cena com
mudanças de humor e pulsões constantes, que tanto são vividas pelos atores como
pela câmera deste plano-sequência nada gratuito. Nome
Próprio revela-se um filme bastante próximo de Cão sem Dono, na relação
que traça dos personagens jovens com o mundo à sua volta. E mais do que apenas
uma questão temática ou de universo, os filmes se aproximam quando vemos que,
mesmo que tenham momentos ou cenas irregulares ao longo de sua duração, os momentos
de pungência que atingem são bem mais marcantes, e certamente são o que fica depois
do final da sessão. Setembro de 2007 editoria@revistacinetica.com.br
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