in loco - cobertura dos festivais
Nossa
Vida (La Nostra Vita),
de Daniele Luchetti
(Itália/França, 2010)
por Paulo Santos Lima
Uma
certa tendência do cinema italiano
Ainda que naveguemos em franca ignorância sobre
o que de fato ocorre na cinematografia italiana atual, é fato
que, com tantos festivais, redes sociais e downloads possíveis,
uma cinematografia sempre tem seus bons resultados levados avante
suas fronteiras. Nisso, é certo que, salvo os Bellocchio, Argento,
Moretti, Monicelli (Antonioni, Ferreri, Rosselini, Leone... enfim,
vários já se foram), parece que é vez e outra que surge algum
filme notável – e o panorama, cujo destaque é o exploitation
documental Gomorra, é o das encenações fuleiras, tipo
Manual do Amor, de Giovanni Veronesi. O popular, que nos
anos 70 era a cargo dos filmes de gênero de Argento, Fulci, Damiani,
Corbucci, engenhosamente cinematográficos, cedeu lugar aos filmes
de amor e a dramas familiares – como este La
Nostra Vita, filme que acaba encontrando
uma coerência, numa forma minimamente adequada para contar seu
dramalhão: a partir de uma dinâmica ágil e de acentuada concisão,
ritmo bem contemporâneo, diga-se, o longa expõe uma idéia de eminência,
de ameaça, que nunca se conclui.
O
diretor Daniele Luchetti, em resumo, faz uma espécie de telefilme
que não perde toda a dignidade justamente por essa dinâmica direta
e sem o determinismo da reação a partir de algo mostrado anteriormente.
Esses
filmes são, de fato, uma ponta de lança resistente na Itália,
sobrevivendo numa produção que não difere da TV. Ou é a própria
TV. O imaginário dessas produções, sua lógica e tratamento, em
síntese, são o da simplificação e o apequenamento da natureza
humana: os seres amam ou não, são ou não amados, estão presentes
ou ausentes da cena exemplar, que é a família. Justamente, La
Nostra Vita é um drama sobre uma família
interrompida. Com a morte da esposa no parto, o operário Claudio
(Elio Germano) surta, e decide dar passo maior que a perna e administrar
uma obra a fim de aumentar seu orçamento e proporcionar aos dois
filhos um alento à ausência da mãe. Atormentado e atarefado, acaba
se tornando um pai ausente. O aperto nas finanças será o novo
problema deste homem. Do cinema italiano recente, ele se confirma:
a atração do enredo simples, os temas valiosos a uma ordem de
valor conservadora que coloca a tradição, a família e a propriedade
em alta conta.
Nesse
quadro, o filme já deixa claro: a grande questão, na história,
é menos Claudio não ser arrebentado pela loucura e dívidas e mais
Claudio voltar a ser um bom pai. Ou, melhor definindo, com a irreversível
tragédia da perda materna, o pai ausente, irreconhecível e tal,
precisa retornar ao seu papel. O pai precisa voltar aos seus filhos.
Sim, a idéia de família, grande família, como um valor. O filme
quase pára a sua narrativa para mostrar a família de Claudio,
seus irmãos e cunhados, todos ajudando-lhe, inclusive o “irmão”
cafetão que cuida de seus dois filhos “abandonados”. O auxílio
familiar parece um contraponto (meio mão de chumbo) às adversidades
que o mundo (a economia) e Deus (o acaso da morte) lançam aos
daqui de baixo. É a dinâmica da concha, do abrigo. Nada mais conservador.
La Nostra Vita é um produto
do seu meio, mais outro filho de uma certa tendência que tem,
evidentemente, a ver com a política de seu país, a Itália. O conservadorismo
bufo, chanchadesco, de Berlusconi, fertilizou esse tipo de cinema
médio, comercial, cujo problema parece ser menos a modéstia da
encenação do que a simplificação, à la novela das 8 brasileira
ou programa de auditório italiano, de temas humanos clássicos.
Esse filme só confirma o quanto o cinema responde ao mundo onde
ele é realizado. Seu prêmio, de melhor ator para Elio Germano
em Cannes, reitera um momento no qual a Itália afunda-se no personalismo.
Vale utilizar olhos de cinema para observar o que há por trás
desses filmes de TV.
Novembro
de 2010
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