in loco - cobertura do Festival do Rio
Notas no Festival: Sidneys
(Pollack e Lumet), Man Push Cart, Aronofsky
por Pedro Butcher
Man Push Cart, de Rahmin
Bahrani (EUA/Irã, 2005) – Expectativa
Primeira
ponta de decepção do festival: exaltado pela Cahiers du Cinéma
em sua edição de maio, Man Push Cart não começa mal.
Nova York é apresentada de um raro ponto de vista original, pelos
olhos de um vendedor de bagels e café. Seu cotidiano é
apresentado de maneira direta e simples, em cadência acertada.
Rahmin Bahrani encontra um ritmo próprio e arrisca alguns belos
enquadramentos. Mas, aos poucos, fica evidente que ele filma a
cidade melhor do que constrói seu personagem central, o paquistanês
Ahmad.
O diretor abdica da cadência e do tom documental
em favor de uma trama pretensiosamente elíptica e, mais grave,
piedosa com Ahmad. Descobrimos que Ahmad guarda segredos. O primeiro:
foi um cantor de rock famoso no Paquistão. O segundo: perdeu a
mulher e se culpa por isso. A partir daí, a cena cotidiana que
se repete tantas vezes, que o mostra carregando o carrinho de
bagels do depósito à esquina onde faz ponto (e vice-versa), não
é mais parte de um cotidiano de trabalho duro, mas uma espécie
de calvário autopunitivo.
Esse caráter “culpado” só se agrava. Ahmad conhece
um paquistanês que se deu bem em Nova York e que promete ajudá-lo,
mas essa ajuda se revela uma falsa promessa. Conhece também uma
jovem espanhola melancólica e meio perdida, mas a relação não
vai adiante. O apelo à piedade culmina quando Ahmad tem seu carrinho
roubado em pleno caos do trânsito de Nova York, em uma seqüência
tão implausível quanto apelativa. O pior, no entanto, vem logo
depois, quando o diretor submete seu personagem a uma estranha
humilhação: Ahmad vai ao amigo paquistanês rico pedir cinco mil
dólares e o agride em uma explosão de raiva quando ele não dá
o dinheiro. Enfim, um filme que começa cheio de interesse mas
desce ladeira abaixo, até um fim lamentável.
* * *
Esboços por Frank Ghery (Sketches
of Frank Ghery), de Sidney Pollack
(EUA, 2006) – Panorama
O movimento oposto acontece com Esboços por
Frank Ghery, documentário de Sidney Pollack em que ele filma
com câmeras digitais seu amigo Frank Ghery, o famoso arquiteto
americano que projetou, entre outros, o museu Guggenheim de Bilbao,
na Espanha. Pollack exagera na quantidade de depoimentos – a maior
parte deles legitimadores –, “justificando” a importância de Ghery
e, conseqüentemente, a existência do filme. A certa altura, apresenta
como contraponto a opinião de um crítico que se revela patético
(ele praticamente assume falar mal da obra de Ghery apenas para
ser uma “voz dissonante”, e não acrescenta absolutamente nada
ao filme).
Mas, no fim das contas, Esboços por Frank Ghery
vai muito além disso e se revela apaixonante. Ele se realiza no
diálogo entre Pollack e Ghery, na maneira como os projetos e construções
do arquiteto são filmados e no depoimento mais inusitado de todos
(de seu analista!). Com todas as deficiências, Pollack dá conta
do recado de forma mais do que satisfatória, talvez porque, o
que ele de fato se propõe a discutir são temas como inspiração,
criação, talento, autoralidade e coletividade e, sobretudo, forma.
Pela sua fascinação por Ghery, Pollack joga uma luz interessante
sobre como a forma (e o papel da arquitetura nisso) é parte absolutamente
integrante de nossas vidas sem nos darmos conta disso.
* * *
Find Me Guilty,
de Sidney Lumet (EUA, 2006) – Panorama
Outro
Sidney – Lumet -, que, como Pollack, é um veterano símbolo de
certa Hollywood liberal, também aparece com seu novo trabalho,
Find Me Guilty. Como seu primeiro longa-metragem, Doze
homens e uma sentença, Find Me Guilty também é um “filme
de tribunal”, e, sobretudo, um filme sobre a retórica (nada a
ver com o pseudo Obrigado por fumar, por favor). Mas agora,
em vez de discutir a questão do ponto de vista do júri, ele assume
o ponto de vista dos réus e advogados de defesa.
O cenário é a Nova York submetida ao processo
de limpeza de Rudolph Giulianni. O roteiro é inspirado no julgamento
de um grupo de mafiosos de New Jersey em que um dos réus (processados
em conjunto, por conspiração e formação de quadrilha) resolveu
dispensar seu advogado e fazer sua própria defesa. Letreiros,
ainda na abertura, avisam que os diálogos foram quase todos literalmente
reproduzidos dos autos.
Mas a questão é que o julgamento durou quase dois
anos – e o filme, evidentemente, selecionou apenas alguns dias,
com o aparente intuito de exaltar a figura de Giacomo DiNorscio
(Vin Diesel), figura carismática e bem humorada que, surpreendentemente,
conseguiu “virar o jogo” a favos dos mafiosos. O filme merece
uma discussão mais profunda, mas o fato estranho é que ele assume
um perigoso estatuto de “verdade” quando, na “verdade”, faz uma
opção simplista demais para tomar partido de um lado, sem questionar
de forma contundente como a forma encontrada por DiNorscio para
“virar o jogo” é, ela mesma, uma manipulação violenta do discurso,
também repleta de preconceitos e concepções perigosamente retrógradas.
De resto, a direção de Lumet – que sempre foi
um cineasta irregular – não está à altura de seus melhores trabalhos.
Find Me Guilty está bem longe da precisão e da secura de
um filme como Daniel (sua obra-prima), e volta e meia apelando
para um incômodo sentimentalismo barato.
* * *
Fonte da Vida (The Fountain), de
Darren Aronofsky (EUA, 2006) – Panorama
Nada
que se compare ao sentimentalismo de Fonte da Vida, talvez
o exemplo mais próximo de como o cinema pode ser kitsch
(para usar um termo fora de moda). O sentimentalismo e uma certa
autopiedade são o motor desse filme sobre um médico (Hugh Jackman)
que tenta descobrir a cura para o câncer enquanto um tumor cresce
no cérebro de sua mulher (Rachel Weisz). Se a ciência não poderá
ser redentora, a arte poderá. As experiências do médico falham,
mas caberá a ele completar o livro que sua mulher deixou incompleto,
sobre um cavaleiro espanhol que foi à América Central em busca
de árvore da juventude – uma história que é apresentada paralelamente,
com os mesmos atores. Tudo isso permeado por uma terceira subtrama,
de tom filosófico-religioso, que visualmente é uma das coisas
mais cafonas que o cinema contemporâneo já produziu.
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