Nunca é Tarde para Amar (I Could Never Be Your Woman),
de Amy Heckerling (EUA, 2007)
por Eduardo Valente

Crônicas do nosso tempo

Com Picardias Estudantis (1982) e As Patricinhas de Beverly Hills (1995) Amy Heckerling já tinha deixado claro um impressionante talento em compreender os mecanismos sociais e comportamentais de uma determinada juventude americana, e principalmente uma verve na sua escrita para transfigurá-los em produtos ficcionais puros que, no entanto, possuem uma inegável força quase próxima do documentário. Os dois filmes são, afinal, documentos quase inescapáveis para quem queira entender o que era ser jovem e estar no mundo na década de 80 e 90, respectivamente. Pois com este Nunca é Tarde para Amar, Heckerling está de volta mostrando não ter perdido nem um pouco este olho impressionante, e a capacidade de transformar aquilo que vê em deliciosos diálogos e na captura de um determinado estado de coisas.

Só que aqui, Heckerling alarga um pouco os horizontes do seu interesse, e embora consiga encarnar na personagem da filha de 15 anos uma precisa impressão sobre ser jovem nos anos 2000 (“15 is the new 17”, diz ela em um momento), ela se dedica também à sua própria geração e os dilemas de ser (quase) velha hoje. E é da dinâmica das relações entre mãe e filha, as personagens de Michelle Pfeiffer e de Saoirse Ronan (onde cabe muitas vezes à filha assumir a função “maternal” na relação), que vêm boa parte da força de Nunca é Tarde Para Amar – filme que atenta ainda para uma série de sutilezas contemporâneas deliciosas sobre os relacionamentos amorosos (onde os personagens de Jon Lovitz e Paul Rudd funcionam muito bem – a cena dos dois na cozinha é um dos melhores momentos do filme). Ao falar de uma mãe que queria ser mais nova, e de uma filha que queria ser mais velha, Heckerling está falando, no fundo, da ditadura do teen, como modelo de uniformização idealizada do mundo atual.

Há, para além de seu talento como cronista dos momentos históricos e seus costumes, modas e pequenas idiossincracias, uma outra camada do trabalho de Heckerling em funcionamento aqui: Nunca é Tarde Para Amar é um dos mais cruéis filmes na sátira à indústria do entretenimento audiovisual, nos seus modelos e práticas. Em cada uma das cenas em que Pfeiffer conversa com o seu patrão na rede de TV, sentimos o veneno que escorre da tela – assim como seu retrato dos bastidores da série que eles gravam (“You Go Girl”) é preciso e mordaz no seu desvelar de uma estrutura de produção de imagens que tenta fazer passar como os dilemas de adolescentes algo encenado por pessoas nos seus 30 anos. No filme, sobram cotoveladas na boca do estômago para inúmeras celebridades midiáticas (Britney Spears, Michael Jackson, Lindsay Lohan) e para a obsessão com a imagem de uma maneira geral, seja ela a imagem física (as cenas de cirurgia plástica nos créditos iniciais são francamente – e propositalmente – desagradáveis), seja a construção da imagem (genial o pequeno momento em que a atriz principal da série grava, entre tragadas off camera, uma mensagem conscientizadora anti-tabagista para os adolescentes). Tendo em vista a imagem que constrói das motivações nada nobres da indústria do entretenimento, não é surpresa ver que Heckerling fez este filme (seu primeiro depois de sete anos) de maneira absolutamente independente dos grandes estúdios.

A única coisa a lamentar em Nunca é Tarde para Amar é que, embora ele funcione maravilhosamente bem enquanto conta com o carisma de seus atores (onde se Michelle Pfeiffer não nos surpreende mais, certamente Paul Rudd chama a atenção) e com a atenção aos detalhes e escritura de diálogos de Heckerling, infelizmente ele é um filme bastante atabalhoado com sua organização dramática. As constantes inserções de Tracey Ullman como a “Mãe Natureza” (sim, isso mesmo) são absolutamente desnecessárias e só atravancam o andamento do filme, assim como a sub-trama (que se torna, em termos narrativos, a principal trama em determinado momento) com a secretária de Pfeiffer. O fato é que, se o charme do filme está numa observação quase rohmeriana do mundo e das relações entre os personagens, não é exatamente fácil para uma cineasta americana de filmes comerciais assumir que este é seu forte. E aí, infelizmente, a necessidade de “fazer a trama andar” muitas vezes acaba fazendo com que o filme leve uns tropeções. Mas, certamente, nada que nos faça perder o encanto com o cinema sempre delicado de Heckerling.

Outubro de 2007

editoria@revistacinetica.com.br


« Volta