Novo Mundo (Nuovomundo),
de Emanuele Crialese (Itália/França, 2006)
por Cléber Eduardo

Talento comprovado

A boa impressão deixada por Respiro, filme anterior do italiano Emanuele Crialese, só ampliava a expectativa por Mundo Novo. Crialese é um cineasta ainda em começo de percurso, de 41 anos, tendo estreado com uma pequena produção americana, Once We Were Strangers (1997), fruto do processo seus estudos de cinema nos EUA. Nos dois filmes de retorno à Itália, o diretor propõe olhares complementares. O primeiro debruça-se sobre um determinado espaço – uma cidade litorânea – e nos efeitos deste sobre o desejo/imaginário. Nada original enquanto ponto de partida, mas com uma realização cheia de vitalidade, que, em vez de acomodar-se ao estereótipo de sensualidade latina-mediterrânea, encontra personalidade lírica nas imagens. E Novo Mundo? Será um prosseguimento daquela câmera atraída pelos corpos banhados em suor, que sentia a sensual integração entre o desejo e a natureza, promovendo uma relação entre os personagens e o ambiente mediterrâneo?

Em seu início, o filme aparentemente segue o mesmo caminho. Novamente, o espaço: vemos uma quase fusão entre o homem e o ambiente de onde parece brotar, sobretudo na abertura progressiva de um plano em plongée, que nos revela dois corpos masculinos transitando pelas entranhas de uma região montanhosa. Estamos em algum ponto entre Vidas Secas, de Nelson Pereira, e La Terra Trema, de Luchino Visconti. Ao contrário de Respiro, esse meio físico é árido e pedregoso. No entanto, como no filme anterior, vemos uma antro-poesia cultural, com espaço para situações “mágicas”, rompidas com o realismo ou com a lógica convencional, talvez para tocar em uma profundidade cultural impregnada nos lugares e nos rituais compartilhados, o que, em alguma medida, aproxima Crialese dos irmão Taviani. Há um flerte com a solução alegórica nesses momentos mágicos, mas o efeito plástico-atmosférico era e é soberano, para além de qualquer relação direta entre o signo e sua significação.

No entanto, Novo Mundo, por uma série de opções, é distinto de Respiro, ao mesmo tempo em que não deixa de ser seu prosseguimento em uma outra chave (menos solar, mais soturna). Se Respiro era o filme da prisão ao ambiente de liberdade (o mar), Novo Mundo é sobre a adoção de um novo espaço (os EUA), uma terra de oportunidades, de esperança, que, logo na chegada dos estrangeiros, mostra-se também como uma prisão pautada pela eugenia (dessa vez, institucional, não poética). A modernidade dá as caras com todo seu caráter seletivo e asséptico, criando uma hierarquia entre quem merece e quem não merece pertencer à uma comunidade. Lei dos mais aptos. E aqui o filme transita do mergulho em um caldo cultural, sem denuncismos, para assumir, sim, a denúncia da atitude americana, às vezes com situações óbvias em seu caráter ilustrativo (bastante questionável a mediação do estrangeiro – a mulher inglesa), às vezes com conversas um tanto pedagógicas, mas sem perder de vista a conexão histórica-política entre EUA e Itália.

Ao expor os critérios de seleção de quem pode ou não entrar nos EUA, nos mostrando a lógica de um Estado visto como o Novo Mundo, Crialese estabelece um paralelo surdo com a política de imigração da Itália nos anos 2000. A mesma lógica a reger os EUA no filme está no cerne da atitude européia com quem chega da África e da Ásia. Alguns dos momentos mais desconfortantes de Novo Mundo passam-se na reedição dos navios negreiros, com os corpos colados, suados, no escuro, filmados com uma câmera instável, amplificada pelos cortes curtos. Esse universo austero marca um constraste com a liberdade corporal de Respiro. Conforme o filme chega nos EUA e por lá se instala, sempre em ambientes internos, sempre em situações de coação, perde-se a inicial aproximação poética, retomando-a apenas como um ponto de fuga no plano final – uma utopia só possível na imaginação, com os corpos submersos no leite.

A maior diferença entre esse filme e o anterior de Crialese, filmes ao mesmo tempo diferentes e próximos, está na valorização do contexto sobre o drama individual. Isso não é melhor ou pior em si mesmo, mas um sinal das preocupações do diretor. Antes se buscava depositar em uma figura todo um espaço, sem perder de vista a singularidade dessa figura. Agora, deposita-se as figuras no espaço (e não o espaço nas figuras), fazendo delas vítimas do Novo Mundo. Se minha preferência por Respiro é bastante significativa, mantenho, com Novo Mundo o interesse por essa rara força nova surgida no cinema italiano.

Outubro de 2006


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