Treze Homens e um Novo Segredo (Ocean's 13),
de Steven Soderbergh (EUA, 2007)
por Eduardo Valente

A maior diversão

Muito mais do que um blockbuster pré-planejado de estúdios ou um produto autoral de Steven Soderbergh, a série de filmes “Homens e Segredos” virou uma grande ação entre amigos entre o diretor, George Clooney, Brad Pitt, Matt Damon e o produtor Jerry Weintraub – e, a partir deles, todo o resto do elenco, claro. Se é verdade que desde o primeiro filme da série já havia o desejo de emular o clima mais que amistoso, beirando o irresponsável, da Brat Pack de Sinatra, Dean Martin, Sammy Davis Jr e companhia, a realidade (como pôde comprovar quem acompanhou as entrevistas coletivas do filme no seu lançamento em Cannes) é que a cada nova filmagem parece ir aumentando o entrosamento (entre atores e entre personagens) e a alegria do grupo em fazer os filmes. Muito adequado então que, nesse terceiro encontro, o que esteja em pauta na trama seja justamente a reafirmação do espírito de patota, do “um por todos, e todos por um”.

Lá pelas tantas em, Treze Homens e um Segredo, um personagem vira-se para Danny Ocean (Clooney) e diz: “Vocês são jogadores analógicos num mundo digital”. Pois a frase, ali usada com o intuito de desmoralizar Ocean e seu grupo de “picaretas de alta classe”, afirmando que estão ultrapassados, é na verdade o grande elogio e defesa que pode (e deve) ser feita dessa série. Em plena vigência da ditadura da computação gráfica e dos efeitos especiais como principal atração de público dos “filmes de verão” (o que também é referenciado no filme, quando os colegas gozam do parceiro chinês, dublê de cinema, por ter feito um filme com efeitos digitais), Clooney, Soderbergh e companhia parecem extrair um prazer extra de reafirmar-se sim como produtos analógicos num mundo digital. Toda a sua atração resume-se a elementos tão velhos quanto o cinema hollywoodiano dominante: domínio absoluto da narrativa, roteiros cheios de grandes sacadas e diálogos e, mais do que tudo, muito carisma dos atores que brincam com sua própria imagem o tempo todo, assumindo assim que são ali muito mais do que apenas personagens em cena – o momento em que Clooney goza Pitt perguntando “quando ele vai ter um filho, afinal” é especialmente hilário neste sentido, com os quilos de filhos adotivos que seu colega anda cuidando junto com Angelina Jolie.

Na verdade, a série sobre Ocean e seus colegas tem exatamente isso de “antiquado”: propõe ao público e aos seus realizadores nada menos e nada mais do que duas horas e pouco (para uns) e alguns meses de filmagem (para outros) de uma grande diversão. Alguns críticos mais ásperos da série argumentam que os realizadores claramente se divertem mais do que os espectadores. Em parte isso provavelmente é verdade, mas não se pode negar que os filmes desejam justamente que nós nos divertamos vendo eles se divertirem – daí a profusão de cenas com disfarces os mais absurdos. Don Cheadle interpretando o ás da motocicleta; Matt Damon no papel do servo do milionário chinês; Carl Reiner fazendo o falso jornalista britânico; Casey Affleck como líder de rebelião trabalhista mexicana, Pitt como sismólogo (de bermudas): cada uma dessas sequências não existe como força ou potência na sua relação com a trama, mas sim num universo próprio, cujo sentido e graça reside e se encerra em si mesmo. De uma certa forma, estamos no domínio de um cinema de atrações, como no primeiro cinema: nosso prazer em cada um destes momentos, é pensado para ser o mais primal e direto possível. Observar cada um destes atores como um maravilhamento em si, como esquetes de um show sem muita responsabilidade com o todo.

É por isso que tudo é possível nos filmes da série - desde que o mundo seja vivido plano a plano, sequência a sequência. O mergulho de Ocean e seus cupinchas é num mundo de sonhos, do cinema (daí porque faz todo sentido a volta ao ambiente, em si surreal, de Las Vegas), onde desde o começo sabemos exatamente qual será a trama que veremos (grupo perfaz peripécias para humilhar seu adversário), e toda graça reside não no que acontecerá, mas em como acontecerá. Al Pacino interpreta, assim, nada mais do que uma versão ególatra do Coiote frente ao Papa-Léguas de Danny Ocean e comparsas: nossa diversão é ver a insanidade das maneiras pelas quais um mecanismo “ACME” vai explodir na sua cara. E, rapaz, como é divertido.

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