in loco - cobertura dos festivais
O Corte do Alfaiate, de João Castelo Branco (Brasil, 2011)
por Thiago Brito

Artesão

Uma das palavras de ordem do documentário direto é o ato da observação, o momento em que a câmera se transforma em janela e amplia, seja por sua duração, seja por seu caráter de não-intervenção, a vida que se descortina diante dela. O Corte do Alfaiate é situado em uma posição passiva entre observação e afastamento, alternando entre planos longos em que vemos os alfaiates realizando sua arte (sua técnica), e momentos de interação em que descobrimos o fio histórico que os levou a trabalhar como alfaiates e suas aflições quanto ao futuro de sua profissão. Quando João Castelo Branco Machado arma sua câmera diante de seus personagens, descobrimos um misto de passividade e tristeza elegíaca, como se estivéssemos diante de um passado anacrônico que aos poucos se esvai diante de nossos olhos. Vemos os alfaiates medirem, alinharem e escolherem suas peças; sentimos a solidão de seu ambiente de trabalho, a rotina de seus dias. E, quando ouvimos seus depoimentos, estamos sempre diante de palavras derrotistas, de homens que realizam seu ofício às vezes por graça e paixão ou, na maior parte das vezes, por falta de opção, como que presas de seu próprio destino.

O Corte do Alfaiate determina-se, primordialmente, pela contemplação de seus personagens e, principalmente, de sua atividade, revelando seu caráter passadista e o anacronismo de sua própria estrutura. Esquivando-se de um salto maior, ou da busca por um atrito, o filme engaja-se em uma passividade que se revela austera, fazendo da contemplação um ato de olhar por olhar, ver por ver. Assistir os alfaiates é menos um ato de busca por uma transformação e mais um indício de constatação, seu acabamento pleno enquanto prática viável. "Há ainda quem goste de roupas", nos diz um personagem. É uma frase triste, que acoberta uma fina tristeza de quem perdeu toda perspectiva. A impassividade da câmera, que olha, observa, mas pouco diz, pouco se impõe, abdica também de qualquer perspectiva mais íntima, mais integrada com o elemento mesmo que se apresenta diante dela.

Com isso, os alfaiates tornam-se de fato objetos, na idéia mesma de figuras fugidias que encontram sua razão de ser principalmente através de sua prática, ou mesmo do interesse do documentário, da visão que se concebe à revelia do contato imediato com a matéria. O instigante, no caso, é a crença de que estes sentimentos poderiam nos afetar exatamente pelo uso do plano longo. Aqui, sua duração e posicionamento – quase que invariavelmente frontais – em vez de imprimir um sentimento de espontaneidade, ou de graça, nos atingem com um alto grau de peso, de lassidão e tristeza. As repetições das ações trabalham mais em um sentido de automatismo do que de paixão, a rotina é mais salvadora de uma existência à deriva do que um meio de renovação, rejuvenescimento e reaprendizado. Se estes sentimentos existem de fato nestes homens, o filme termina por repisá-las, ou até mesmo reforçá-las, tal qual a tábua que fecha um caixão, como se estivesse mirando uma morte anunciada, um fato consumado ao qual o filme perversamente dirige um olhar de registro, maquinal.

Dezembro de 2011

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