O Grão, de Petrus
Cariry (Brasil, 2007)
por Eduardo Valente Ousadia
excessivamente sob controle
O Grão foi produzido
dentro do edital para filmes de Baixo Orçamento do Ministério da Cultura e, pensado
dentro deste programa, ele faz todo sentido. Não apenas por ser um filme onde
o conceito de baixo orçamento se aplique às mil maravilhas em termos de dinâmica
de produção, mas principalmente se entendemos que um edital como este deve servir,
antes de tudo, para apoiar primeiras obras de cineastas que não buscam uma relação
estritamente comercial com o cinema. Neste sentido, O Grão representa não
só a chegada de um cineasta com uma consistente carreira produtiva em curtas e
documentários a um primeiro longa de ficção, como permite que ele o faça arriscando
uma estrutura dramatúrgica e estética eminentemente próxima de um cinema pouco
afeito ao grande mercado. No entanto, feita esta constatação,
há que se buscar entender o que pretendem de fato Petrus Cariry e sua equipe com
este O Grão. Porque embora esteja clara no filme a preocupação com a idéia
mesmo de “pôr-em-cena”, que o diretor divide com seu fotógrafo Ivo Lopes Araújo
(ele também dono de uma obra bastante autoral em curtas e vídeos como diretor,
e um trabalho já estabelecido como fotógrafo, principalmente no Ceará), preocupação
esta que é mais rara do que se esperaria no panorama do cinema brasileiro, ainda
assim O Grão parece arriscar bem pouco dentro do seu sistema dramático.
Sim, porque embora ele recuse frontalmente uma estrutura mais narrativa, o filme
parece se escorar demais numa determinada imagem do “cinema de arte” já por demais
sedimentada, segura em seus códigos. De fato, é bem curioso
pensar a relação do filme com a imagem contemporâneo do realismo cinematográfico
no cinema “de autor”. Porque, se pensamos em alguns trabalhos nacionais recentes
como O Céu de Suely (e muitas vezes O Grão nos leva a isso) ou Mutum,
veremos que, para além do diálogo que estes travam com o cinema de um Hou Hsiao-hsien,
um Jia Zhang-ke, os irmãos Dardenne ou os cineastas argentinos mais marcantes
na cena internacional (Lucrecia Martel, Pablo Trapero), precisamos constatar que
há uma energia pulsante nestes filmes que vem da crença deles na idéia de drama
a partir de seus personagens. Pois bem, é aí que O Grão revela um pouco
de suas fraquezas: para além de seu diálogo parecer um tanto menos “contemporâneo”
(remetendo mais a “modelos” típicos dos anos 90, já bastante questionáveis em
si, como uma certa idéia de cinema iraniano ou do cinema asiático da não-ação,
da rotina exacerbada e do vazio), ele acredita pouco nos seus personagens como
geradores do drama em si – roubando do documental uma relação um tanto vampiresca
com o tempo do mundo. Porque é claro que o tédio do filme
se quer justificar pelo tédio do tempo vivido no espaço agreste onde o filme se
instala – no entanto, como gesto cinematográfico, os sentidos dessa instauração
parecem já bastante dados e de fato um tanto fáceis. No fundo, o problema de O
Grão é este mesmo: seja em falas como a da mãe na beira do lago (“e esse tempo
que não passa”) ou a do pai na rede (quase um solilóquio); seja na relação com
as narrativas fora da realidade dos personagens (por oposição, com a TV; por reiteração
e mitologia, no conto de fadas contado pela avó), o filme de Cariry sabe bem demais
o que quer encenar e do que quer falar, e por isso mesmo não respira, não vibra,
não pulsa (como cinema, especialmente como cinema de ficção). Quando
chegamos ao final, e constatamos que o filme quer tão somente nos falar do ciclo
renovável e constante da vida no sertão brasileiro, e de sua pequeneza (que também
é sua grandiosidade) percebemos que, no fundo, pouco separa a experiência do seu
discurso da que temos, por exemplo, em um curta metragem como Vida Maria,
de Márcio Ramos. E aí constatamos: se um filme de 88 minutos nos passa as mesmas
idéias que um outro faz em 10, é porque não deve estar na “mensagem” o seu forte,
mas sim em algo que se desse ao longo de sua duração. E é esta fruição que O
Grão, por mais instigante que seja o desejo de cinema que ele revela, não
consegue exatamente atingir. Outubro
de 2007 editoria@revistacinetica.com.br
|