O Homem da Máfia
(Killing them Softly),
de Andrew Dominik (EUA, 2012)
por Raul Arthuso
Como
fazer de um filme de gênero um "grande filme"
Ou como diria um famoso técnico do futebol brasileiro:
“respeitabilidade”. Essa é a essência
das escolhas de O Homem da Máfia. Logo no início
ouvimos discursos de Barack Obama e John McCain durante a campanha
presidencial americana de 2008. Esse motivo volta e meia reaparece,
num desejo de refletir o país, sua política, a questão
econômica, as mudanças sociais - um espelhamento
que se faz como pano de fundo, mas que dá uma força
(até pornográfica) ao romanesco do filme. Porém,
não é no evidente que a tal busca de “respeitabilidade”
fica exposta, mas sim no que ele tem de mais comum, por se tratar
afinal de um filme de gênero, com gangsteres, roubos, negócios,
traições e, principalmente, violência. Andrew
Dominik tem total consciência do imaginário cinematográfico
que está tocando; arma-se, então, da distância
irônica: o autoconhecimento e o autocontrole necessários
para subverter a ordem lógica do produto e ir além
do comum, do corriqueiro.
Sintetizando: sublimar o vulgar com um conhecimento de causa.
Por isso o matador deprimido – “ironicamente”
encarnado por James Gandolfini – que lamenta os novos tempos
enquanto rememora suas glórias do passado, mas não
consegue fazer o trabalho para o qual foi contratado. Ou ainda,
as longas negociatas do personagem de Brad Pitt com o mediador
dos chefões da máfia, conversas que mesclam o humor
discursivo dos Irmãos Coen com programas de análise
econômica e política de debates televisivos. Se,
por um lado, há nisso um saber-fazer evidente,
contaminado pela noção de que essa sabedoria foi
a base para tudo o que já foi feito no gênero policial,
é na consciência em si que se aposta. O título
original – Killing them Softly – resume bem:
Jackie, o personagem de Brad Pitt, afirma não gostar apenas
de fazer seu serviço (o assassinato), mas fazê-lo
suavemente. Em se tratando de violência, é
fazê-la ecumênica – leia-se arte.
O
espancamento e a posterior morte de Trattman (Ray Liotta) são
rigorosos e pomposos, mostram tanto o domínio de linguagem
e a criatividade plástica do diretor quanto seu desejo
de resgate – a morte já filmada tantas vezes no cinema
policial não é renegada, mas distanciada do impacto
vigoroso de seu aspecto físico e colocada no espaço
sublime da plasticidade. O Homem da Máfia pode,
nesse sentido, ser tomado na mesma linha de Drive –
pós-modernidade, máfia, protagonista charmoso, chancela
de Cannes. Porém, em Drive há um impulso
– cínico – de resolver a vulgaridade do gênero
pela hipervulgaridade, travestindo-se de mais um na massa
de produtos serializados. Aqui há o desejo – também
cínico talvez – de resgatar o produto vulgar e dar-lhe
relevância, o que se manifesta abertamente no espelhamento
da progressão do filme com o desenrolar da campanha presidencial
(não à toa, o filme termina com um comentário
sagaz sobre o discurso da vitória de Barack Obama) e se
disseca nos pormenores próprios do filme de gênero.
E esse gesto é mais próximo das concepções
de Nolan e seus cavaleiros das trevas.
Janeiro de 2013
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