in loco - cobertura dos festivais
O Inconstante (Ha'Meshotet), de
Avishai Sivan (Israel, 2010)
por Fábio Andrade
A diferença na igualdade
O Inconstante, filme de estréia de Avishai Sivan,
é exemplo ideal daquilo que se convencionou chamar de "estética
dos festivais" (ao menos dos internacionais): estrutura em
tableaux; esvaziamento das personagens; humor de extrema
secura; enquadramentos de sensível rigor visual; e, claro,
a incomunicabilidade - mal do século que domina o cinema
"de arte" pelo menos desde a chegada de uma avalanche
italiana de nome Michelangelo Antonioni. Sempre que vemos um conjunto
de filmes de alguma expressividade nos festivais internacionais,
é inevitável que encontremos ao menos um que suscite
essa mesma descrição. Em geral, são filmes
que, mesmo quando não de todo condenáveis, são
tão acomodados no rigor da referencialidade que induzem
pouco ou nada à reflexão.
Mas dentro dessa palheta há gradações:
mesmo entre os filmes médios - lugar onde está parte
considerável da produção cinematográfica
de qualquer época - há alguns que trabalham melhor
suas próprias convenções, sejam elas as da
última encarnação do clássico narrativo,
ou da cartilha contemporânea do cinema de menções
honrosas. O Inconstante não
faz por merecer defesa, destaque ou mais do que um leve tapinha
nas costas. Mas, se entre os diluidores há os mais e os
menos habilidosos, é inevitável perceber que Avishai
Sivan extrai algo de mais particular de sua mistura de influências
- a rigor, Tsai Ming-liang e Elia Suleiman, dois sujeitos fundamentais
pra esse nicho do cinema contemporâneo - do que diluidores
menos competentes (como Javier Rebollo, no Festival do Rio com
A Mulher sem Piano).
Ao
universal, o particular; é um pouco dessa máxima
que Sivan cria os melhores momentos de seu filme de estréia.
Pois se há algo especialmente castrador na repetição
sistemática de convenções é justamente
o quanto ela é capaz de dizimar diferenças: Taiwan
é igual à Romênia, que é igual à
Espanha, que é igual à Coréia e ao Brasil.
Filma-se a distinção de maneira indistinta e qualquer
possibilidade de particularidade escorre diretamente para o ralo
do indefinido. Mesmo com tudo o que há de ordinário
no filme, O Inconstante consegue
sustentar o interesse justamente por se atentar para isso: estamos
a ver um filme israelense, sobre personagens que só podem
existir dentro de um nicho cultural muito específico e
que respondem às demandas desse próprio nicho. E
justamente por filmar esse universo de forma tão comum,
O Inconstante mobiliza um
choque inicial ao nos colocar diante de uma paisagem visual ainda
não explorada, que ele aprofundará nos mesmos recortes
que os filmes que lhe são matriz o fazem: as passarelas;
a comida; os hospitais; os cultos religiosos; as vestimentas;
etc.
Mas o que realmente parece sobressair, mesmo que
minimamente, em O Inconstante
é a maneira como Avishai Sivan consegue temperar essa fidelidade
ao sistema das obras às quais ele voluntariamente se filia
com pequenas perversões de outros gêneros. Daí
vêm as rupturas mais curiosas do filme, seja para o mal
- como a mudança abrupta de tom na metade final que, mesmo
precisando ser abrupta para fazer sentido, parece sobretudo mal
orquestrada - ou para o bem. É pela capacidade de filmar
um exame de sangue como uma comédia facial, e uma encomenda
de camisinhas como uma verdadeira cena de suspense que Avishai
Sivan se coloca um pouco acima da média dos médios,
com uma mínima promessa de diferença em um reino
de iguais.
Outubro de 2010
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