O Olhar Estrangeiro, de Lúcia Murat (Brasil, 2005)
por Leonardo Mecchi

Teorias da conspiração

Após passar 70 minutos questionando o retrato que o cinema estrangeiro faz do Brasil e de seu povo, Lucia Murat encerra Olhar Estrangeiro com um letreiro onde se lê, "Afinal, quem somos nós?", para logo em seguida dedicar a obra "a todos os que buscam sua verdadeira identidade". Ao optar por esse final em seus créditos, a diretora carioca contradiz sua própria proposta, enunciada através da narração em off no início do filme: parar de consumir uma imagem do Brasil forjada fora e inverter essa relação entre observador e observado. Tal ato falho explicita uma característica incômoda deste documentário, que é a busca constante no olhar estrangeiro de uma aprovação supostamente necessária para nos livrarmos de nosso complexo de vira-latas, como se a única forma possível de se validar uma identidade brasileira fosse através do reflexo que este olhar estrangeiro nos fornece.

Nessa ânsia por acusar o estrangeiro de estigmatizar o Brasil e o brasileiro, Murat acaba cometendo o mesmo erro do qual acusa seus entrevistados: nega-lhes a individualização e aponta esse olhar como intrínseca e necessariamente preconceituoso. Tal visão pré-concebida da diretora fica clara no tratamento que ela dá às imagens dos entrevistados (sempre com um fundo descolorido, cinzento, em contraposição ao colorido tropical do brasileiro) e na escolha emblemática, porém arbitrária, dos filmes comentados, o que faz com que obras paradigmáticas como Orfeu Negro fiquem de fora, enquanto filmes como Lambada, A Dança Proibida e Anaconda sejam analisados como se fossem estudos profundos sobre a brasilidade – e não como os filmes despretensiosos e auto-conscientemente construídos sobre clichês que são.

Dessa forma, mais do que um documentário, Olhar Estrangeiro assemelha-se àquelas reações desproporcionais que, de tempos em tempos, tomam espaço nos noticiários brasileiros diante de obras que supostamente ferem nossa imagem no exterior, como no caso do episódio dos Simpsons ambientado no Rio de Janeiro ou do novo "escândalo" pré-planejado Turistas. Curiosamente, tais reações depõem mais contra nossa imagem – ao expor nossos complexos terceiro-mundistas e a necessidade de auto-afirmação através do olhar estrangeiro – do que os próprios fatos que as originaram. Não deixa de ser sintomático que um país que reproduz ele mesmo a maior quantidade de estereótipos e preconceitos contra seu povo – principalmente nas produções da Globo ambientadas fora do eixo Rio-SP, seja no cinema ou na TV – opte por olhar para fora, e não para dentro, ao procurar culpados. Um pouco menos de complexo de perseguição e um pouco mais de auto-análise não faz mal a ninguém.

 


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