O Mágico
(L'Illusionniste),
de Sylvain Chomet (França/Reino Unido, 2010)
por Paulo Santos Lima
Mais
vale o coelho
Grosso modo, as animações são pautadas por suas
razões técnicas. A virtuose de um diretor desse tipo de filme,
por mais que tenha o gênio da encenação, parece sempre vir do
que ele conseguiu reproduzir por meio do instrumental técnico,
já que inexistem humanos e câmeras em
cena. Em jogo está como esses desenhos mimetizam
a realidade (a do cinema, sobretudo). Assim, técnica e forma confundem-se.
E técnica, essencial para a realização cinematográfica, quando
vira questão, gera exibicionismos. Isso está nos filmes da Pixar
assim como neste O Mágico, animação à la “cinema de arte”
que ainda assim se apoia muito no apuro de detalhes. Por outro
lado, é justamente esse detalhamento que possibilita a presença
de certos tipos, personagens arquetípicos, que acabam fortalecendo
bastante esse trabalho de Sylvain Chomet.
Não
só. Ao adaptar um argumento de Jacques Tati, Chomet acabou mimetizando
o estilo de humor desse cineasta – cinematográfico, trabalhando
o som, a imagem, o espaço e o tempo. A história, em si, é um tanto
singela demais, sobre um mágico francês decadente que sofre com
a concorrência da modernidade dos anos 50, quando bandas de rock
e “juke boxes” tomam o espaço do palco. Em suas viagens, ele conhece
uma mocinha que se encanta com seu trabalho. A bela situação que
se cria, numa ambiguidade que confunde algo de paternidade do
senhor com a garota e, também, uma quase relação conjugal, passam
ao largo da técnica, se mostrado por traço gráfico ou por atores...
não importa. O filme vai se tornando mais sombrio quando o ilusionista
não consegue transpor sua crise ao mesmo tempo em que a garota
vai se tornando mulher, ou seja, descobre o amor num galã e bacana
jovem.
Mas o filme, ainda assim, é refém de sua própria
imagem... imagem de animação. Os primorosos detalhes, em especial
o coelho de estimação que serve ao protagonista para o número
da cartola, ou a extraordinária caracterização tanto de uma cidade
do interior escocês quanto da metropolitana Edinburgo, são um
valor e uma questão para o filme. Um quase exibicionismo, que
muito tem a ver com o estilo “artístico” desse diretor, o mesmo
de As Bicicletas de Belleville. Nada contra, mas, de certo
modo, ao detalhar, faz-se algo semelhante a filmes que quebram
a mise-en-scène para mostrar um plano-detalhe. No caso
de O Mágico, uma animação, isso é feito por nossos olhos.
Talvez
Tati, quando escreveu o roteiro, estivesse reprocessando itens
de Sternberg, Mankiewicz, mas, sob a forma de Chomet, o caminho
é o de irmos para o que salta aos olhos: o específico, o específico
do cinema de animação – a técnica. Se há um requinte neste filme,
certamente ele está nessa técnica, detalhamentos, que acaba aludindo
a algo anterior ao próprio filme, que são os desenhistas, o que
esses desenhos reproduzem etc. Muito fácil a atenção sair do corpo
do plano, num caso como o deste O Mágico, e voltar-se para
a apoteose tecnológica. É uma lógica idem a que rege a pertinência
das imagem de TV (full HD, 3D etc), os celulares inteligentes,
os computadores de corpos finos com memórias gigantes e baterias
de fôlego interminável: não importa qual finalidade, qual imagem
está na tela, mas sim a medida que qualifica esses objetos.
A qualidade de O Mágico, que se coloca com estilo
low-tech mas é tão exibicionista de seus feitos tecnológicos
quanto às animações de ponta, acaba estando, justamente, em seu
prodígio técnico, mais que o criativo, na felicidade com a qual
exibe detalhadamente certos tratamentos ao longo de sua história.
O coelho importa mais do que a saída dele da cartola, em síntese.
Novembro
de 2010
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