Onde Está a Felicidade?,
de Carlos Alberto Riccelli (Brasil, 2011)
por Raul Arthuso
A
tal felicidade
Há um claro desejo em Onde Está a Felicidade?
de filiar-se ao cinema de Almodóvar. Ao colocar a Espanha no centro
da história de um casal em crise – a mulher acha que o marido
a traiu e parte para uma jornada espiritual pelo caminho de Santiago
de Compostela –, o filme está repleto de “cores de Almodóvar,
cores de Frida Khalo, cores”. Porém, onde o humor do cineasta
espanhol é ácido, crítico e anárquico, o filme de Riccelli é anódino,
travestido de vulgaridade, mas, na verdade, superficial nas idéias.
E dá-lhe piadas em portunhol que se repetem inúmeras vezes,
movimentos de corpos desencontrados que acontecem sempre distantes
e artificialmente (como o carro que contorna a rotatória inúmeras
vezes), e idéias prontas de humor que lembram esquetes de Zorra
Total.
Mesmo que o humor não se dissesse ácido – e não
há problema nisso – ele tem um problema maior: não é realmente
engraçado. É um humor dependente do artifício, da histeria do
elenco feminino (será que se pensa nisso como coisa de Almodóvar?),
de um palavrão solto aqui, outro ali. Há ainda uma sexualidade
perturbada, típica da comédia comercial brasileira recente, onde,
ainda que o filme se passe no seio de uma briga conjugal e verse
o tempo inteiro sobre sexo, o erotismo é interditado. Tirando
uma lingerie no início do filme, a constrangedora cena na vinícola
e uma nudez de Bruna Lombardi coberta pela escuridão e um lençol
de cama, o filme é virginal, fazendo mesmo ecoar em um dado momento
o seriado Chaves: a impressão é de que o elenco, adulto, está
representando uma comédia sobre pré-adolescentes – com clara desvantagem
para o filme brasileiro, pois no seriado mexicano o humor inocente
depõe em favor dessa escolha de elenco, enquanto aqui o humor
se pretende cheio de erotismo e safadeza.
A
grande crise do casal, ao final, gira em torno do fato de se eles
tiveram ou não relações sexuais com outras pessoas. A personagem
de Bruna Lombardi promete a todo tempo arranjar um amante para
vingar-se, promessa que, assim como o sexo do filme, não se concretiza.
E sua jornada de autoconhecimento, que muito bem poderia passar
por uma descoberta da sexualidade, é na verdade uma trajetória
de submissão à normalidade e afirmação do matrimônio monogâmico
católico, do corpo inviolado e virginal. É a defesa de uma felicidade
que passa por um compromisso contratual de pureza em oposição
ao mundano, sensorial e sexual. E essa moralidade reacionária,
afinal, tem tudo a ver com Almodóvar, não?
Julho de 2011
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