Orquestra dos Meninos, de Paulo Thiago (Brasil, 2008)
por Julio Bezerra

Roteiro ilustrado

Paulo Thiago é, desde sempre, um cineasta interessado na revisão de certos aspectos da cultura brasileira, desde a Batalha dos Guararapes (1978) a Policarpo Quaresma – Herói do Brasil (1998). Por isso, a história do maestro Mozart Vieira, que na década de 90 montou uma orquestra sinfônica com jovens sem recursos na pequena cidade de São Caetano, a 150 quilômetros de Recife, era mesmo material farto para o cineasta. Em Orquestra dos Meninos, ele encena mais uma vez um evento importante de nossa história recente, e o faz em defesa da arte como uma alternativa de vida. Mas uma pergunta se impõe: como articular esse desejo com as escolhas formais do diretor? Essa é a questão, em que Orquestra dos meninos se mostra um desfile de más escolhas.

O longa, inteiramente rodado em Sergipe, mescla uma base de atores famosos (Murilo Rosa, Priscila Fantin, Othon Bastos) com uma porção de jovens amadores, opção que se mostra desastrosa. Os meninos falam em gestos largos e exagerados, ora de maneira excessivamente pausada, ora num histrionismo que nunca se justifica. Já a escalação de Priscila Fantin como uma adolescente nordestina semi-analfabeta mais parece piada de mau gosto: a jovem que vemos em Orquestra dos meninos não é nunca Creusa, mas sempre Priscila Fantin. Murilo Rosa até segura bem onda, mas a atriz se torna um efeito alienante, uma distração para a proposta de “os fatos como eles aconteceram” que o filme toma para si.

A mão pesada de Paulo Thiago se faz sentir o tempo inteiro, e a sensação dominante é a de estarmos assistindo a um filme mecânico, em que os diálogos sempre duros parecem todos decorados, entrando com dificuldade no ouvido. Orquestra dos meninos é um filme bruto, em que os personagens vão surgindo e se desenvolvem sempre incrivelmente unidimensionais e à revelia do espectador, sem envolvimento. Mozart está em cena o tempo todo explicando e se auto-explicando, como se precisasse se legitimar pela repetição didática de sua missão, sem dar espaço para os efeitos dramáticos que poderiam ser produzidos. A cena em que ele tenta o suicídio é um triste exemplo. É evidente que o método de realização de Paulo Thiago corre, por assim dizer, atrás da “cena”, dos diálogos explicativos, do desenho dos personagens. O que vemos, então, são cenas reumáticas, sem personalidade. A impressão que fica é a de um roteiro ilustrado, em que o objetivo é a história narrada, não a narração da história. Pode parecer mero jogo de palavras, mas não é.

Dezembro de 2008

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