Ouro
Negro, de Isa Albuquerque (Brasil, 2008) por Francis
Vogner dos Reis Anti-propaganda
Baseado
em fatos reais. É com essa “certidão de legitimidade” que começa Ouro Negro.
O trabalho de Isa Albuquerque é desses petardos embutidos de um espírito oficialesco
que faz valer sua relevância social, porque realizado com dinheiro público e,
por isso, segundo a lógica do projeto, precisa ter valor de cartilha, sua contraproposta
social. Como o nome deixa supor, Ouro Negro é sobre a história do petróleo
brasileiro, ou melhor, sobre a história da exploração de petróleo no século vinte,
do lobby estrangeiro, de como o Estado atrapalhou a livre iniciativa e
etc. Tudo contado como em um livro ginasial da década de oitenta sobre Historia
do Brasil. Assim, até poderíamos dizer que Ouro Negro
é da linha de Independência ou Morte. Só que isso seria injusto com o filme
de Carlos Coimbra, cineasta que ao menos sabia dar cadência a uma sequência de
planos. Já Ouro Negro dá vontade de questionar a idéia (generosa) de que
vale a pena se discutir todo e qualquer filme, não importando sua procedência,
condição ou qualidade, pois é tudo tão estéril, tão árido e obsoleto que é difícil
levá-lo a sério. Como analisar um trabalho que sequer acredita que o cinema é
um ofício (ainda não estamos falando de arte) que visa a elaboração e a organização
das formas que o seu meio técnico propõe? Analisar é até possível, mas se iria
lidar com algo que não tem a mínima consciência de sua condição, um filme de vazio
formal e conceitual. Por exemplo: no que diz respeito à
sua esterilidade, em Ouro Negro não é possível falar de academicismo, pois
este prescinde de uma tradição de formas. Aqui isso não existe. Tudo é primário,
torpe. Isa Albuquerque faz suas cenas em poucos planos, não por princípio estético,
mas para que se contenha de modo instantâneo todo um diálogo importante (geralmente
com marcações grosseiras, como se os atores tivessem os pés presos ao chão por
pregos), que certamente teriam dificuldades se feitos em plano e contra plano
ou se houvesse uma exploração do quadro mais burilada. As gruas e os travelings
são mais para dizer que se está “fazendo cinema” do que por, pelo menos, um motivo
formal meramente funcional. Cada frase resume o filme inteiro, certamente para
que o espectador não tenha dúvida alguma do que se passa, já que toda construção
cênica e dramática é neutra. “Voltar para Alagoas para provar
que lá tem petróleo como acreditava os senhor Gosch é tudo que eu queria”. Seria
só vergonhoso se não fosse ofensivo à inteligência. Durante o filme passamos por
uma série de momentos na vida de algumas pessoas envolvidas na busca de poços
de petróleo em Alagoas. Os eventos se sucedem, se esbarram e se atropelam de uma
maneira que nem os finais mais loucos da série Austin Powers ousaria fazer. A
brava empreitada da diretora é colocar nos 115 minutos de duração do filme todo
o conteúdo do roteiro. Assim, se eles encontram gás natural, é preciso que, em
cinco segundos, apareça um soldado, fechando por ordem federal a escavação. Cada
cena não termina sem um desdobramento. Questão de economia de tempo e inteligência. Filmes
ruins não são novidade, só que com o ímpeto oportunista desse é raro. Começa com
um logo da Petrobras (o que é comum, se levando em conta que o filme foi feito
por meio de um edital da empresa), que se faz como uma história sobre escavação
de petróleo na década de 30 e termina com uma plataforma em alto mar nos tempos
atuais. Pois a Petrobras deveria se preocupar porque – levando-se em conta o resultado
do filme – Ouro Negro se constitui como autêntica anti-propaganda. Novembro
de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
|