Pacific, de
Marcelo Pedroso (Brasil, 2009)
por Fábio Andrade
Um
filme para chamar de seu
Pacific é um filme realizado completamente a partir de material
externo, sem um plano sequer produzido para o filme. O procedimento
é simples: montar um longa metragem a partir de imagens realizadas,
sem qualquer finalidade extrínseca a elas, por passageiros de
um cruzeiro de navio a Fernando de Noronha. Marcelo Pedroso pede
a eles esse material após ele já estar filmado, e confere novos
sentidos a imagens que não foram realizadas para o filme. O diretor
tenta dar ordem ao aleatório, organizando afetos que não são do
filme, mas de maneira a se apropriar deles.
Pacific é um filme questionador já nessa primeira instância,
pois seu dispositivo é forte o suficiente para se tornar uma distração.
É possível adorá-lo como síntese ou rejeitá-lo como sintoma antes
mesmo de o filme começar, mas ambas as leituras (com todas as
implicações de “estética”, “autoria”, “dispositivo”, “documento”,
“camadas” etc, que elas naturalmente geram – umas mais pertinentes
que outras) parecem insuficientes. Pois, muito como Moscou,
de Eduardo Coutinho, o que mais impressiona no filme de Marcelo
Pedroso é justamente uma relação com as imagens que só pode ser
bruta, onde só é possível extrair um sentido se ele for material.
Importa menos, portanto, tudo que existe a partir do filme, e
mais o que existe dentro dele. Pacific tem seu fluxo determinado
por esse relevo interno das imagens, onde persiste o talento de
Pedroso em perceber os caminhos, as rimas, os ritmos que engendram
os planos, e que possibilitam uma relação de imersão no universo
(físico e afetivo) que eles constroem.
É
notável, portanto, que o filme transite em um caminho estreitíssimo
onde o feelgood nunca se torna celebração, o confinamento
não é filmado como prisão (pois é voluntário), e o retrato da
alegria dos passageiros como obrigação social vem sem qualquer
ironia. Se há um humor latente em Pacific, ele vem de uma
auto-paródia que é incorporada pelas próprias personagens. O que
persiste é um processo constante de auto-fabulação das personagens
para suas próprias câmeras (há planos de enorme complexidade de
mise en scéne dentro do filme; assim como há cortes que
acentuam ou produzem uma complexidade ainda maior) e uma aderência
irrestrita do filme a essas personagens, seus universos, seus
sentimentos, seus desejos. Em toda sua contemporaneidade, Pacific
retoma uma das qualidades essenciais e mais clássicas do cinema:
criar um universo crível e transitável, e nos dar a chance de
realmente nos instalarmos nele por um determinado período de tempo.
Janeiro de 2010
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