O
Passageiro - Segredos de Adulto, de Flávio R. Tambellini (Brasil,
2006) por Eduardo Valente Conto
de formação Entre as ruas de São Paulo
e a beira-mar carioca; entre a periferia e a favela, entre o cotidiano de um motoboy
negro e de um filho de pais abastados, Passageiro – Segredos de Adulto
cria uma curiosa fotografia em negativo de Os 12 Trabalhos, de Ricardo
Elias. Nos dois, em seus melhores momentos, um impressionante sentido de detalhe
e de atenção às pulsões que fazem seus jovens protagonistas seguirem adiante,
mesmo absolutamente confusos com a quantidade de decisões e relações pessoais
que precisam dar conta, sem terem certeza alguma de estarem prontos para isso.
Ao enfoque de Elias sobre o “outro”, sobre as classes proletárias marginalizadas
(termo que se provará central também em Passageiro), Flávio Tambellini
vem somar um imensamente bem-vindo retrato “de dentro”: das coberturas da Vieira
Souto às boates de “mauricinhos” da Zona Sul do Rio de Janeiro. Nesse
retrato de dentro, o que mais chama a atenção é a capacidade do diretor de manter
uma saudável distância dos julgamentos a priori sobre os indivíduos que
filma. Ao mesmo tempo em que não foge da raia, e mostra uma classe alta envolvida
com relações nada amistosas (seja com desvios de dinheiro, seja com tráfico de
drogas), Tambellini também evita o moralismo que aponta dedos e tipifica a “elite”.
Seu protagonista é a própria encarnação da confusão de um jovem nascido numa classe
dominante, mas que não se sente nem um pouco confortável neste papel. No entanto,
também não se trata de nenhum Robin Hood, que enverede pela “vida pelo social”:
seus primeiros amores são vividos dentro da sua turma de amigos, que são também
aqueles que mais o influenciam. Não é por acaso que, em
determinado momento, o próprio Tambellini surja na tela em uma ponta como o pai
da melhor amiga de Antonio (o protagonista): trata-se, antes de tudo, de um filme
feito claramente com o desejo de uma geração anterior de entender seus filhos.
De olhar para o mundo deles, e de tentar estabelecer pontes entre este mundo (que
pode parecer tão estranho nos seus rituais) e o destes pais que se sentem um tanto
distanciados. Mas, este olhar de pai não é condescendente nem acusador: é apenas
realmente interessado. Tanto que, curiosamente, as melhores cenas do filme são
as que se passam exclusivamente dentro do universo dos jovens. Suas conversas,
gírias, gestuais, ações, tudo ressoa uma verdade extrema – menos por um naturalismo
exagerado, e mais no seu componente de encenação, mesmo, tão típico do jovem.
É um alívio e tanto ver o jovem urbano contemporâneo retirado do aquário de fantasias
do registro de um Malhação. Só que é no outro lado do espectro,
justamente o mais próximo geracionalmente de Tambellini, que o filme dá suas escorregadas.
Ao tentar compor um trajeto onde o jovem Antonio redescobre a relação com o pai
depois da morte deste, a verdade é que a historiografia póstuma construída parece
pouco em consonância com a pegada do filme no hoje. Nem Carolina Ferraz, nem Othon
Bastos (as “figuras do passado” paterno) conseguem achar o registro certo dos
seus personagens (onde se mencione a bela atuação de Giulia Gam na difícil personagem
da mãe, alienada e carinhosa em medidas iguais), e toda vez que o filme se volta
para eles, parece se perder numa saída fácil de “recontextualização” da figura
paterna, que soa tão transplantada para dentro do filme quanto a questão da violência
urbana no assassinato do pai. É onde o filme se “problematiza” demais, e perde
o frescor e o respiro das cenas dos jovens (em especial na considerável química
entre Bernardo Marinho e Luiza Mariani). Fato é que, depois
de um Bufo & Spallanzani que apontava um interesse pelo espaço do Rio
de Janeiro, mas esbarrava na dificuldade em lidar com as convenções do gênero
policial, Tambellini reforça aqui sua capacidade como cronista urbano atento,
realizando um belo pequeno filme, que se até tropeça aqui e ali, deixa uma impressão
bastante positiva ao final. editoria@revistacinetica.com.br
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