in loco - II festival de paulínia Dia
1: Drama emoldurado (À Deriva, de Heitor Dhalia) por
Francis Vogner dos Reis A trajetória
de Heitor Dhalia é curiosa. Sua estréia em longa-metragem foi com
Nina, filme de plasticidade grotesca que determinava uma espécie
de estética de brechó que dava valor central à sua cenografia
engessada com simetrias, composições de cores escuras, objetos de
cena vintage e que não conseguia disfarçar que, apesar de
ser supostamente baseado em "Crime e Castigo", de Dostoiévski,
era simplesmente a constatação que os anos 90 chegaram tardiamente
para ele. Filme de fetiche explícito, pueril, aberrante. Tinha uma franqueza
que só a inexperiência pode trazer à tona. O horror era evidente.
O Cheiro do Ralo tornava isso muito sofisticado, Dhalia organizou o caos
e, diferentemente de Nina, deixou tudo higiênico demais, sendo que
na verdade ele descobriu como jogar a sujeira para debaixo do tapete. A estratégia
de assepsia era clara.
Em
À Deriva, o diretor finalmente consegue sistematizar seus objetivos,
encontrar lugar para as coisas, para a sua vontade em ser de "esteta".
Só que antes de ser uma mudança significativa como artista, é
uma evolução perversa. Heitor Dhalia aprendeu direitinho a lidar
com a aparência. Troca as cores chapadas do universo urbano pela palheta
de cores que tenta dar conta da variação pictórica das belezas
naturais. Na beleza, identificar um impostor pode ser mais difícil. Ao
invés do mundo sórdido, uma família em uma casa de praia.
A protagonista é Felipa, uma garota bonita que vê os pais em crise,
testemunha o adultério de um deles e experimenta coisas típicas
da adolescência. Supostamente estamos lidando com gente de verdade, com
problemas reais. Se a intenção em construir um drama existe, é
mais como princípio organizador e menos como maneira de extrair da cena
alguma força genuína dos personagens (que independa dos efeitos
do estilo). Para reforçar a atmosfera grave dos personagens Heitor Dhalia
se aplica a cadenciar suas imagens em um ritmo que pretende sensualidade e exasperação
dos corpos (cabelos ao vento, câmera trepidante colada aos corpos, planos
detalhes), entope o filme com uma música que tenta dar peso a cenas que
se querem dramáticas e cria imagens tão belas como gravura de calendário,
a partir de composições asfixiadas pela necessidade de equilíbrio
e vertigem, que buscam em sua totalidade exprimir os estados dos personagens.
As imagens estilo Príncipe das Marés, com a câmera
no fundo da água que revela personagens nadando, se repete sistematicamente.
Heitor Dhalia quer "fazer bonito", como nos filmes anteriores queria
"fazer sórdido". Só que o sórdido de mentirinha
gera o patético e a beleza em excesso causa o entorpecimento. Se
antes o enunciado de suas imagens denunciava o simulacro naturalmente vazio e
regressivo, em À Deriva existe um drama que procura dar relevo humano
e existencial aos personagens, aspira construir um mundo, conceber "pessoas
de verdade". Só que não há "estrutura dramática"
que dê à luz e vida a um filme que depende exclusivamente de efeitos.
À Deriva fala de dor, mas não encontra a dor, fala de crescimento,
mas não confronta os paradoxos da puberdade. A garota Felipa vê a
vida de sua família desmoronar, mas é só olhos e dor, o desejo
tão caro ao tema do filme é ausente nela, o sexo vem em uma chave
revanchista somente. A câmera a deseja, ela não é desejante.
Felipa é uma personagem tão plana e (somente) reativa como Nina
e Lourenço, de O Cheiro do Ralo. Julho
de 2009 editoria@revistacinetica.com.br
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