in loco - II festival de paulínia
Dia 3: Surpresa nenhuma - O Bebê de Rosemary
por Francis Vogner dos Reis

Declaração de Lucélia Santos, atriz e produtora do filme Destino: "Esse é o nosso bebê, não é perfeito, mas é nosso". Antes de ser uma justificativa e um pedido de desculpas, isso ratifica a consciência que os próprios realizadores têm da natureza do filme que foi o momento mais bizarro no Festival de Paulínia. Bizarro porque a picaretagem é óbvia e evidente demais. Não é preciso esforço para identificar o desastre. Destino, filme assinado por Moacyr Góes, foi o momento em que a política do festival foi escancarada sem pudor. Tudo é fake e explícito. Na falta de uma definição melhor, o filme tem uma "não estrutura" semelhante aos soft porns da série Emmanuelle (que conjuga blocos de ação com cenas de cidades exóticas) exibidos pelo Cine Privé na Bandeirantes. Tem ainda uma longa seqüência de merchandising, reviravoltas burlescas, erros de continuidade, atriz tropeçando em cena, etc. Destino tem quatro roteiristas e oito montadores. Já Moacyr Góes não estava e sequer foi citado na apresentação pelos produtores Lucélia Santos e Diller Trindade.

Não convém fazer digressões aqui sobre Destino, falar dele em termos estéticos. Seria fazer troça, chutar cachorro morto, pois é um filme que já nasceu derrotado, enquanto muitas vezes em um festival engole-se gato por lebre como Caro Francis e À Deriva. Esses filmes seriam, segundo o "bom senso", ao menos respeitáveis porque "bem realizados". Como a denúncia do óbvio é a medida da hipocrisia, Destino ganha o título de mostrengo do festival, o que em certo aspecto não deixa de ser verdade (já que a sessão gerou gargalhadas do início ao fim), mas é muito cômodo se indignar com sua presença em um festival que carece de conceito e tem critérios obscuros na escolha dos filmes. O fato é que este não responde a um padrão (qualquer um) de qualidade artística. O mais difícil é entender que a escolha desse filme não foi uma exceção, um acidente. Faz parte de uma política do festival, clara desde seu início. O "Bebê de Rosemary" não assusta e pode até ser digno de graça, não de indignação.


Mamonas, o Doc

O filme de Claudio Khans tem algumas camadas de interesse na conjugação entre as imagens de arquivo da banda Mamonas Assassinas, que em muitos momentos tem força autônoma e independente de sua organização. Conjuga depoimentos de conhecidos e imagens de arquivo com algumas intervenções em forma de animação. O filme, por exemplo, começa com uma imagem subjetiva que grava o vocalista Dinho, que em seguida coloca a câmera VHS no chão e dá um chute na lente. Se é um filme com algumas imagens fortes é porque o diretor Khans teve a sensibilidade necessária em saber onde, e em que momento, colocar cada uma delas.

Acontece que o documentário choca forças opostas. A porção do filme que dá prioridade às imagens que foram realizadas em VHS pelos integrantes da banda, antes e durante o seu sucesso, é o que leva o documentário além do protocolar. No entanto, a convenção em dar ordem e sentido a esse material de arquivo com entrevistas de amigos e familiares é o que conspira contra o filme, porque transforma a história da banda em uma narrativa ascendente rumo ao sucesso, enquanto as imagens dos Mamonas são pura desordem, prazer e de um entusiasmo com plena consciência do caos que eles instauravam sempre, para e partir de suas próprias imagens. Khans domestica o que originalmente repudia o domesticável. Uma pena.


Os curtas

Relicário, de Rafael Gomes, parece consciente de que provavelmente é impossível dar uma forma satisfatória pra questões irrepresentáveis como a dor e a morte e tem a convicção que a beleza é a natureza da arte. Essa beleza é mais um desejo, um sentimento, mas nunca ganha o relevo que a expresse com alguma integridade. Uma obsessão melancólica em recuperar alguma beleza parece mais possível do que a fascinação por essa beleza. Até aí nenhum problema, já que o personagem está em uma zona onírica entre a vida e a morte, só que essa melancolia é puramente textual, pictórica e cenográfica. Não tem vida para além das formas (a matéria é rala), está restrita ao fetiche do artístico, ou melhor: ao fetiche do discurso (e da expressão) artística sobre a dor e beleza.

Prós e Contras, de Pedro Strucchi, é um curta da região de Campinas que mostra dois amigos que realizam uma aposta para ver se um deles desiste de ter uma namorada. O filme se aplica a caracterizar esses personagens com feições cômicas realmente engraçadas. Superficialmente, é bem diferente de Relicário, mas sofre de um mesmo problema: fala das coisas com uma aproximação que simula alguma intimidade, mas não tem traquejo necessário para permitir alguma autonomia - porque, ao mesmo tempo que tende ao descontrole (a tensão fundamental da comédia), mantém tudo bem calculado, redondinho e fechado.

Julho de 2009

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