in loco - II festival de paulínia Dia
4: A prisão dos procedimentos por Francis
Vogner dos Reis Cinema
é sempre uma questão de aproximação e de distanciamento.
Dizer isso não é impor uma norma geral sobre a qual se deva compreender
o universo dos filmes e mesurar o seu valor, justamente porque não há
uma fórmula ou um só método para fazer as coisas. É
somente compreender que as coisas passam pelo engajamento do diretor e a sua entrega
em dominar essa técnica que, como dizia o crítico Louis Skorecki,
tem como material o mundo. É ai que o cinema aparece, é ai que ele
deixa de ser representação e interpretação das coisas
para ganhar vida e, nos casos mais acidentados, para pelo menos vê-la de
frente.
Ambos os filmes de longa-metragem de Roberto
Moreira sofrem dessa angústia de ter de existir nesse limiar entre a técnica
(como meio e ferramenta de criação de um universo) e o mundo concreto.
Contra Todos era um filme que tinha uma estrutura dramática rígida
e se fazia por meio de um estilo (na verdade, rascunho de estilo) que queria encenar
seu drama com a força expressiva que o texto estimulava. Mas o engodo era
que tanto sua estrutura dramática quanto sua forma - escolhas de pontos
de vista, de decupagem, de ritmo - chamavam a atenção para si, como
se o valor dessas coisas residisse nelas mesmas. Víamos o drama e a técnica
somente, o que fez com que o filme fosse de uma artificialidade que simulava autenticidade
de processo e experiência que não ganhou feição no
filme além daquelas que o roteiro e uma câmera histérica ofereciam
aos personagens. Agora,
em Quanto Dura o Amor?, o cineasta parece mais conciliado com o método
empregado. Só que esse método é ainda refém das suas
intenções dramáticas. Ao invés de deslocamentos de
câmera, planos fixos; troca o amargo pelo agridoce; a limitação
das cores de uma textura digital por uma variação mais ampla de
cores que a película dispõe. Assim, as escolhas parecem ao menos
mais conseqüentes, menos oportunas e mais conscientes que respondem, muito
obviamente, a uma necessidade de expressar na imagem o que a história propõe.
O novo filme de Moreira tem a virtude de desejar uma aproximação
mais estreita dos personagens e um pouco mais acurada dos espaços íntimos
e urbanos, mesmo que no fim das contas não tenha a respiração
e a pulsação necessárias para fazer disso algo valoroso,
porque é tão mediado pelo "bom procedimento", pelo rigor
da estrutura dramática e das composições dos planos (enfim,
da carpintaria cinematográfica), que ele se torna um filme biônico. Apesar
da entrega claramente maior, Quanto Dura o Amor? faz dentro da carreira
de Moreira simplesmente uma transição do sórdido e do baixo
para o prazeroso e afetivo. Só não é trocar seis por meia
dúzia porque "acarinhando" os personagens, o cineasta se interessa
mais por eles. Tanto a garota do interior Marina (Silvia Lourenço) quanto
a advogada paulistana Suzana (Maria Clara Spinelli) são caracterizadas
com naturalismo tão marcado que, apesar do bom trabalho das atrizes, parecem
fadadas a ficarem presas nesse método, pois o improviso em plano seqüência
tem em si mesmo a ambição de trazer verdade para o filme. A verdade
do ator, sabemos, nem sempre se conjuga à verdade da cena. Existe
uma inclinação dentro do filme para liberar os personagens, para
aproximá-los da vida, afastá-los da prisão da estrutura dramática
e da necessidade em criar composições expressivas. O escritor Jay
é o exemplo isolado. Nele, não vemos tanto quanto nos outros personagens
uma necessidade de responder a todo o momento ao fundamento do filme. Ao mesmo
tempo em que o amor também o move, ele vive para além disso. Participa
da história e se descola dela ao mesmo tempo. O filme não o obriga
a compartilhar do destino simultâneo das outras duas personagens, até
mesmo porque ele não carrega o peso de ser protagonista. Está a
parte do mecanismo que oprime as possibilidades positivas do filme. Comparar a
porção de Jay no filme com a das personagens Suzana e Marina mostra
que Roberto Moreira não libera as forças que coloca em jogo. O paralelismo
do destino das duas personagens denuncia o mecanismo e, por fim, joga uma pá
de cal em cima das possibilidades do filme, que começa promissor mas vai
enfraquecendo gradualmente, em prestações, até não
sobrar nada. Julho de 2009
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