in loco - II festival de paulínia
Dia 5: Exceção
por Francis Vogner dos Reis

Hoje a cobertura será breve. Acontece que os dois longas de ontem foram até agora os únicos filmes sobre os quais vale apena estabelecer um confronto sem parecer dissimulado ou ranheta (são desafios estéticos reais), mas são os únicos que não receberão crítica nessa cobertura. O motivo é claro: Moscou, de Eduardo Coutinho teve quatro textos em uma pauta especial aqui na Cinética e não vale a pena escrever mais um na correria do festival porque ele carece de mais cuidado e, em outro aspecto, não é necessário mais um texto que passaria pelo mesmo lugar que os textos de Cléber Eduardo, Ilana Feldman, Eduardo Valente e Fábio Andrade já passaram. Mas cabe fazer ao menos um comentário: o filme é do tipo raro, daqueles que possuem a graça (não há palavra que se adeque melhor) que não permite que ele seja uma mera simulação de uma verdade cinematográfica ou realidade da experiência, mas um fato cinematográfico em que a arte não é nada mais nada menos que co-autora da vida. Isso só se atinge de vez em quando.

No caso de No Meu Lugar, de Eduardo Valente, não convém escrever algo sobre ele no atual momento, já que o filme está em competição em Paulínia e é dirigido pelo editor desta revista. Mesmo sendo um filme que nada tem a ver com o projeto da revista e que mereça sim uma reflexão franca, direta e de rigor, está em competição num festival no qual, até agora, todos os textos dessa cobertura sobre os filmes que já passaram foram negativos. O mínimo que se pode dizer é que o filme é forte e é frontal no que se propõe. Não convém falar mais de No Meu Lugar porque no atual contexto seria (ou pareceria) cabotinagem.

Um pouco de dignidade: Spetaculum e Milímetros

Se os curtas até agora exibidos eram uma amostragem do que tinha de mais equivocado na produção audiovisual brasileira, ontem dois representantes quebraram o protocolo da pura e simples irrelevância que dominou o festival. Spetaculum, de Juliano Luccas e Milimetros, de Erico Rassi têm o mínimo da originalidade necessária para se colocar a parte da vulgaridade.

Spetaculum tem lucidez incomum na lida com material tão desolador e excêntrico que, geralmente em outros filmes que dividem o mesmo ponto de partida (palhaços), resultam em um lirismo barato e patético. O curta de Luccas não tem fascinação pelo óbvio e nem crê em parlapatice poética. Ao contrário: a atmosfera é obscura e um pouco perversa, mas o diretor opta por acreditar nesse universo, mostrado as cores e o absurdo inerentes a ele.

Milímetros é galhofeiro. Seu protagonista é mais um personagem recalcado e angustiado de Erico Rassi, que já fez o filme Sexo com Objetos Inanimados. A história é de um cara angustiado que tem a obsessão por satisfazer a si mesmo com uma técnica contorcionista. Com toda dubiedade possível: ele quer "se gostar". Portanto, o que se coloca é: como fazer de algo tão estúpido um filme? Com a intensidade de quem revela a coisa mais importante do mundo e ao mesmo tempo colocando isso (essa banalidade) em crise dentro do próprio filme. É uma cafajestagem ausente no cinema brasileiro atual que (no bom sentido), já foi o mais cafajeste do mundo.

Julho de 2009

editoria@revistacinetica.com.br


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