in loco - IV festival de paulínia

Dia 4: A tal felicidade - e a feliz cidade
por Raul Arthuso

Onde Está a Felicidade?, de Carlos Alberto Riccelli

Há um claro desejo em Onde Está a Felicidade? de filiar-se ao cinema de Almodóvar. Ao colocar a Espanha no centro da história de um casal em crise – a mulher acha que o marido a traiu e parte para uma jornada espiritual pelo caminho de Santiago de Compostela –, o filme está repleto de “cores de Almodóvar, cores de Frida Khalo, cores”. Porém, onde o humor do cineasta espanhol é ácido, crítico e anárquico, o filme de Riccelli é anódino, travestido de vulgaridade, mas, na verdade, superficial nas idéias. E dá-lhe piadas em portunhol que se repetem inúmeras vezes, movimentos de corpos desencontrados que acontecem sempre distantes e artificialmente (como o carro que contorna a rotatória inúmeras vezes), e idéias prontas de humor que lembram esquetes de Zorra Total.

Mesmo que o humor não se dissesse ácido – e não há problema nisso – ele tem um problema maior: não é realmente engraçado. É um humor dependente do artifício, da histeria do elenco feminino (será que se pensa nisso como coisa de Almodóvar?), de um palavrão solto aqui, outro ali. Há ainda uma sexualidade perturbada, típica da comédia comercial brasileira recente, onde, ainda que o filme se passe no seio de uma briga conjugal e verse o tempo inteiro sobre sexo, o erotismo é interditado. Tirando uma lingerie no início do filme, a constrangedora cena na vinícola e uma nudez de Bruna Lombardi coberta pela escuridão e um lençol de cama, o filme é virginal, fazendo mesmo ecoar em um dado momento o seriado Chaves: a impressão é de que o elenco, adulto, está representando uma comédia sobre pré-adolescentes – com clara desvantagem para o filme brasileiro, pois no seriado mexicano o humor inocente depõe em favor dessa escolha de elenco, enquanto aqui o humor se pretende cheio de erotismo e safadeza.

A grande crise do casal, ao final, gira em torno do fato de se eles tiveram ou não relações sexuais com outras pessoas. A personagem de Bruna Lombardi promete a todo tempo arranjar um amante para vingar-se, promessa que, assim como o sexo do filme, não se concretiza. E sua jornada de autoconhecimento, que muito bem poderia passar por uma descoberta da sexualidade, é na verdade uma trajetória de submissão à normalidade e afirmação do matrimônio monogâmico católico, do corpo inviolado e virginal. É a defesa de uma felicidade que passa por um compromisso contratual de pureza em oposição ao mundano, sensorial e sexual. E essa moralidade reacionária, afinal, tem tudo a ver com Almodóvar, não?

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A Cidade Imã, de Ronaldo German

O real problema de A Cidade Imã, com sua produção a duas mãos (seu diretor fez todas as funções principais), não é que ele seja “tosco” em oposição a “bem feito”, porque isso não é moeda que se troque por aí. A questão é de linguagem e discurso, de ter idéias interessantes e como expô-las, encadeá-las, tornar o material filmado no que propriamente se chama “filme”. Em seu retrato de quatro estrangeiros que escolheram o Rio de Janeiro para morar, e relacionam-se se alguma forma com a música brasileira e a cidade, A Cidade Imã parece um vídeo institucional do Rio de Janeiro e das pessoas documentadas. Há uma idéia central – a cidade é linda, apaixonante; essas pessoas são incríveis, sensacionais – que é repetida à exaustão como se para nos convencer e abrilhantar uma marca (no caso, o Rio de Janeiro). A montagem está mais próxima de uma exposição de Power Point, com inserts de planos da torcida brasileira quando alguém diz “futebol”, ou de alguém rindo quando se fala em “engraçado”; da praia quando ela é citada, fora algumas transições entre planos que são tiradas dessa “estética”. E a cidade continua linda, apaixonante, com uma natureza linda e apaixonante. Tanto que há uma pequena menção aos desabamentos que aconteceram na cidade recentemente, mas apenas como gancho para mostrar a mudança de casa de um dos personagens. Onde sobra vontade e paixão, faltam idéias.

Julho de 2011

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