Paulo Gracindo - O Bem-Amado,
de Gracindo Jr. (Brasil, 2008)
por Cléber Eduardo

Íntimo e impessoal

Na cena-despedida de Paulo Gracindo – O Bem-Amado, de Gracindo Jr, Fernanda Montenegro, depois de elogiar o diretor pela bela atitude de homenagear o pai com um documentário, emite aquela frase-chavão do meio artístico: “só você poderia fazer esse filme”. Enquanto ela diz a frase, ou imediatamente após ela dizer, o plano se abre e, ao lado dela, até então fora do quadro, surge o diretor Gracindo Jr. Ele olha para a câmera, dirigindo-se a sua equipe e ao espectador, e faz um sinal de “corta” com os dedos. O filme insiste em não acabar por mais algum tempo depois disso, como se a insistência na continuidade, e não a intensidade da experiência, fosse o melhor caminho para a permanência na memória – mas, a despeito desse desleixo de montagem, nessa despedida está o principal de O Bem-Amado.

Em primeiro lugar, porque, Gracindo Jr, por meio das palavras da dama do cinema brasileiro, legitima o que veio antes. Como filho, só ele poderia fazer o filme por nós visto, segundo Fernanda. Ele estaria desculpado, porque, acima de tudo, é um filme de filho. Uma homenagem da família. No entanto, se em parte a condição de filho está presente no tom de endeusamento permanente e na celebração do pai por meio do anedotário em torno dele, por outro lado, contrariando Fernanda Montenegro, convém afirmar: qualquer um poderia ter feito esse filme. O Bem-Amado não é o filme de um filho sobre seu pai, mas de um ator sobre outro ator, menos interessado em chegar ao “homem”, apenas interessado em reproduzir uma imagem – uma imagem que, antes desse documentário existir, já estava na praça. Portanto, longe de ser filme de filho sobre pai, O Bem-Amado, como explicita esse subtítulo, é cheio de mediações (dos amigos, dos colegas, das imagens de Paulo Gracindo). É sobre a imagem pública de Gracindo. É a confirmação dela.

Em segundo lugar, a mise-en-scène da cena de despedida, no sinal de “corta” como sinal de tchauzinho para o espectador, salienta a mediação. Se não foi já feita exatamente como a vemos em O Bem-Amado, essa atitude está vinculada a programas de televisão, procurando a comunicação direta com o espectador, numa soma de Leda Nagle com Roberto D’Ávila. Nesse momento, Gracindo Jr, assume-se como primeira pessoa, sem a vergonha mostrada ao longo da narrativa. É uma perda de vergonha, porém, mediada pelo código da TV. Pois não será de outra maneira, se não por um arquivo de imagens com ou sem seu pai em cena, que Gracindo Jr confirmará a imagem de Paulo Gracindo.

A memória audiovisual de uma vida pode ser narrada por imagens do tempo histórico dessa vida. E assim vemos um filme pernambucano dos anos 30 enquanto ouvimos sobre a fase de vacas magras de Paulo Gracindo no Recife. Mesmo as entrevistas com os filhos de Gracindo, talvez por opção deles, talvez por reflexo da relação com o pai, nada nos apresenta de muito íntimo, como, por exemplo, conseguimos identificar em Vinicius, de Miguel Faria Jr, apesar de todas as resistências a muitos de seus procedimentos. Não se trata aqui de esperar nada de sensacionalista, picante, de subversivo das normas, que é a pimenta de toda biografia não-autorizada, mas de esperar, de um filme de filho, algum afeto de filho na imagem e no tratamento, não uma versão esticada de Vídeo Show em homenagem a um grande ator. A frase de Fernanda, nesse sentido, está equivocada. Porque, em vez de um filme por dentro, de dentro, O Bem-Amado é um filme de fora, por fora, que nada tem de registro familiar. Antes, tivesse.

Abril de 2008

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