Person,
de Marina Person (Brasil, 2007) por Paulo Santos
Lima Em busca da luz A
busca é o grande cavalo de força de um documentário. É com ela que o diretor
encontra (ou não) o esperado e o inusitado no momento da captação. O caminho “do
mal” nesse processo surge quando o cineasta sai a campo para confirmar uma tese
anterior - o que é mais uma coleta do que uma busca. A procura, mesmo, é mais
levada em conta no cinema de Eduardo Coutinho, que da busca promove um encontro;
ou de João Moreira Salles, que acaba por tematizar o exercício do documentarista
ao mesmo tempo em que emula dados estritamente pessoais. Pois
é em seara vizinha a JMS que Marina Person constrói este seu Person,
documentário, francamente articulado por entre suas memórias e intimidades. O
que faz com que sua busca seja mais pura. Pura porque, enquanto João Moreira Salles
faz de seu exercício algo grande, universalista e narrativo, a procura de Marina
por Luiz Sergio Person, pai dela e cineasta do mundo, é mais abstrata, menos claramente
enunciada ou racionalizada, “solta”. Parece mais um impulso vital, de uma filha
em saber mais sobre seu pai, que é mais memória (imagens em sua memória), fotos
e filmes em super-8, aparições na TV, relatos de amigos e familiares e, sobretudo,
seus filmes. Nesse novo encontro com o pai Person, Marina acaba revolvendo o cineasta
Person, menos reconhecido do que mereceria um homem que rodou as obras-primas
São Paulo S.A. (65) e O Caso dos Irmãos Naves (67), além do “chanchada-contracultura-póstropicalista-lisérgico-pop”
Cassy Jones - O Magnífico Sedutor (72).
Não há o tom
formal com o qual JMS introduz seus filmes, formalidade esta que sugere um grande
momento humano (e cinematográfico, pois Salles é um grande esteta no seu exercício
documental), importante e coisa e tal – o que não desqualifica seus belos filmes,
pelo contrário, como os extraordinários Santiago e Entreatos. Em
Person, no entanto, o tom é de um pequeno diário, com uma fluidez sensorial
abraçando imagens e texturas distintas (do preto e branco ao “colorido desbotado-dourado
anos 70”, super-8 e imagens atuais, trilha sonora reprocessando os filmes de Sofia
Coppola e usando em estado puro canções de Jorge Benjor). Não
à toa, o longa começa com imagens de uma festa de aniversário familiar, filmada
pelo próprio Person; uma das tantas imagens móveis filmadas pelo pai cineasta
e que ganham valor na construção de um Luiz Sergio Person para além das evidências
físicas (filmes, entrevistas, depoimentos) e afetivas (as próprias memórias da
cineasta, que se emaranham com as da irmã, Domingas, e da mãe, Regina Jehá). É
assim, tentando algo um pouco além do que tem nas mãos e no coração, que Marina
segue um caminho sem raia delineada, fundindo experiências relatadas pelos amigos
do pai, imagens poderosas de seus filmes (afinal, esses filmes traduzem o estar
no mundo de Luiz Sergio Person, criador e obra sendo uma coisa única), falando
à câmera, ora apegando-se ao pai, ora comprovando intenções de documentar a vida
artística do cineasta Person. Tudo segue por um largo e fluido rio de imagens:
todas legitimadoras, sem dúvida, mas não criando um corpo ignóbil, monolítico
e totalizado, no conjunto. Documentário-lupa, documentário-espelho, documentário-encontro,
com o mundo (Person cineasta e sua obra para a humanidade) e com as intimidades
de Marina (filha, cineasta, mulher, o coração entre as três). Num
filme cujo nome dá conta tanto da realizadora como do objeto documentado, Marina,
que perdeu seu pai em momento mágico, sensorial e aéreo da vida (nem 7 anos de
idade ela tinha) deixa sua imagem ser uma presença freqüente em Person.
Daí o contracampo e o extracampo serem um dado valiosíssimo na malha de imagens
desta fita. Não no registro do telejornalismo, que usa um contracampo mais comprobatório
da presença do repórter. Marina “autofilma-se”, sendo parte integrante do percurso,
corpo vez e outra encontrado pela câmera do fotógrafo José Roberto Eliezer. Graças
a ele e, claro, ao projeto, temos algo mais interessante nos depoimentos do que
as tais “cabeças falantes” dos documentários mais caretas. Um exemplo é quando
Lima Duarte tem seu rosto filmado pela lateral, ele olhando para fora do quadro,
e é assim que ficará até o final de uma de suas falas. Esse
trabalho em prol do estilo, inclusive com a adoção de várias imagens de “diário
de menina”, bem lúdicas (não há, aqui, nenhum drama pela morte precoce de Person,
mas sim um lamento saudoso e cheio de vida, edulcorado, colorido, pulsação revigorante),
vai desfiando sentidos variados através da imagem. É ela quem dá conta de traduzir
na tela esse filme de Persons filmes, falas e intimidades de menina e mulher,
tudo misturado num caldo estético reluzente: Luiz Sergio Person é o grande sol
que ilumina o relevo de Marina Person. Câmera captando o espaço, da terra ao céu.
E atenta a algo para lá do horizonte – como no plano final, com Marina e Domingas
caminhando por um túnel bocado escuro em direção à sua saída, iluminada e iluminando
o mundo: imagens, memórias, o pai delas, o cineasta do mundo, sua história, seus
filmes. A busca pela luz, a mais suprema de todas. Agosto
de 2007 editoria@revistacinetica.com.br
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