in loco - cobertura dos festivais

Mais Tarde Você Compreenderá (Plus Tard),
de Amos Gitai (França, 2008)
por Eduardo Valente

Em casa, fora dela

Depois de passear por caminhos temáticos (Terra Prometida, 2004) e estéticos (Free Zone, 2005) um pouco diferentes (e onde não necessariamente ele se saiu bem), temos em Mais Tarde Você Compreenderá, o israelense Amos Gitai de volta a terreno familiar. Terreno, no caso, não se refere tanto ao espaço físico-geográfico onde se passa o filme, porque aqui Gitai realiza seu primeiro longa todo filmado em terra francesa, onde mora atualmente (ano passado ele já havia realizado A Retirada, que se passava em parte na França, mas outra parte em Israel-Palestina). Por terreno, nos referimos ao universo temático e estético pelo qual o cineasta ficou mais conhecido, e que marcou principalmente seu cinema nos anos 90: um enorme apego ao plano-sequência, com movimentos constantes da câmera em travellings que esquadrinham os espaços e perseguem seus personagens; o universo familiar como espaço onde se travam as batalhas por identidade que perseguem desde sempre o povo judeu; e a escolha de um personagem masculino cheio de conflitos frente à sua herança judaica.

De volta, então, a este “campo de batalha” conhecido, Gitai reprisa aqui a maior das suas qualidades e seus principais limites. Sobressai, antes de tudo, o trabalho com os atores, em muito ajudado por uma escalação feminina de sonhos, onde Emmanuelle Devos e Dominique Blanc escoram uma Jeanne Moreau que prova que, apesar da idade, sua presença na tela continua de tal forma magnética que é impossível tirar os olhos dela. Já Hippolyte Girardot encarna o típico anti-herói de Gitai, contando com a ingrata missão de levar adiante um destes seres cuja paralisia frente ao mundo, bem típica do cinema do israelense, o torna presença pouco cativante na frente destas mulheres. Só que, apesar da força da presença dos atores na tela, é difícil para eles escapar de algo que se configura talvez a principal marca do cinema de Gitai: um peso do tamanho do mundo que ele parece impor aos seus personagens.

Como tem ficado óbvio ao longo de sua carreira, este é o peso que Gitai implicita estar inerente ao ser judeu. No entanto, por mais que se compreenda este dado, ainda assim os universos ficcionais que Gitai busca articular a partir das relações pessoais e familiares de um grupo fechado de personagens não conseguem escapar da circunstância destes serem títeres de uma discussão que passa muito além deles. São quase sempre estudos de caso, modelos aos quais se impõem as grandes questões judaicas (que, se no cinema israelense de Gitai tinham as relações com a Palestina e a criação do Estado judaico como cerne, agora se atrelam às questões de memória, sublimação e transmissão), e que acabam engessando diálogos, encenação e desenvolvimento narrativo. É pena porque, como fica claro na personagem de Moreau ou na pequena participação do farmacêutico no filme, Gitai poderia investir num caminho mais solto, centrado no humano (e não se usando dele), onde possivelmente haveria maior permanência de tudo que ele pretende discutir. Aqui, ele parece num meio do caminho que, embora encontre momentos de força, também desperdiça várias chances de, falando menos, nos dizer muito mais.

Setembro de 2008

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