in loco - cobertura do Festival do Rio
O entusiasmo e a apatia: primeiros
filmes no Festival
por Felipe Bragança
15 dias sem entrar numa sala de cinema.
Foram duas semanas de outras maratonas, que agora me despejam sobre
essa batelada de filmes. Festival é assim – essa sensação de que
maravilhas e desastres estão escondidos em uma cortina de fumaça
em que você se instala. Meu entusiasmo de saudade bateu logo de
frente com dois pedregulhos variantes sobre o desgosto e o mal-estar
no mundo. Já não falamos de apocalipse, mas da ressaca que vem depois
dele. “Desânimo”, esse é o lugar de onde falam.
Seguem anotações sobre estes 2 filmes, que me
irritam e atiçam, nessa volta à sala escura – alguns cansaços
meus, do cineasta-crítico, sobre o cansaço estético e a estética
do cansaço no cinema:
The Willow Tree (Beed-e Majnoon),
de Majid Majidi (Irã, 2005) – Novas Imagens do Irã
O
filme-mensagem é sempre um perigo - mas Majijd Majidi (Os Filhos
do Paraíso, A Cor do Paraíso) não acha isso, ou não
se importa. Mais uma vez estamos diante de uma formulação moral
sem rodeios. A cegueira do protagonista aqui é utilizada como
metáfora unilateral do estado de apatia, dependência e acomodação,
mas também da boa ordem como felicidade conquistada. The Wilow
Tree, repito, é um filme de Majid Majidi e isso faz com saiamos
do cinema sempre com a sensação de que a sutileza, a ambigüidade
dos gestos e a alegria são idéias alienígenas para o diretor iraniano.
Lição de moral monótona, muito aproximada das narrativas bíblicas
ou das fábulas de auto-ajuda, a parábola do cego que perde a vida
que tinha quando volta a enxergar acumula precariedade de encenação
com um desejo pulsante de emocionar-educar a cada fotograma. Um
libelo contra os riscos, contra a possibilidade das mudanças –
uma canção sobre o arrependimento. Chamá-lo de dramalhão psicológico
não seria desrespeito porque me parece que era exatamente isso
que o diretor queria fazer. E está lá.
Não há muito o que dizer sobre esse cinema porque
é antes de tudo um cinema de dependência moral: como um sermão
ou um conselho patriarcal. Um filme infantil para adultos e não
mais que isso. Passa-se ao largo ou embarca-se na sua poesia funcional.
Qualquer meio termo aqui, é pura alteridade de salão.
A Estrela Que Não É (La Stella Che Non
C’é), de Gianni Amélio (Itália, 2006) – Panorama
Muito
curioso como a premissa do personagem de Majidi (homem acomodado
que precisa lidar com o que vê de novo diante dos olhos), ressoa
neste filme de Amelio: a apatia recorrente de personagens burgueses
de meia idade, que em The Willow Tree era metaforizada
como cegueira, aqui aparece na figura mais seca, anti-psicologizada
de um funcionário de fábrica cujo desejo é consertar um alto-forno
da indústria em que trabalhou e que foi vendido para a pujante
China. A jornada pela qual passa o personagem em sua viagem atrás
da máquina ecoa traços da descoberta da visão vivida pelo cego
iraniano, embora aqui a metáfora seja mais a da apatia política
de um velho capitalismo europeu e não tanto a da monotonia moral.
Enquanto lá o desejo de mudança se mostra cruel,
aqui ele não consegue sequer se mostrar possível. Não à toa, ambos
os filmes tem próximos a seus desfechos, momentos catárticos em
que seus personagens choram copiosamente. A falta de motivação
clara do personagem de Castellito, que no começo soa como uma
graça, um charme, aos poucos deixa de sustentar a longa duração
do filme e suas reviravoltas sem consequência. A relação crítica
do homem ocidental com a China bambeia entre recortes perspicazes
e comentários redundantes sobre o progresso econômico e as mazelas
sociais do país, o que não ajuda a emocionar ou dar ao filme um
sentido de fruição para além do turismo crítico. Existe um jogo
inteligente de linguagem na forma com que o diretor tenta brincar
com a contemplação (jogando com clichês de encenação e recortes
de cinema asiático) e criar choques entre esse tom e o personagem
ocidental – mas a falta de desejos aparentes do protagonista não
lhe dá muito por onde desenvolver esse traço.
Me
lembro de Lost in Translation e de como Copolla e Murray
conseguiram imprimir vivacidade a um momento de deriva de um homem
da mesma faixa etária perdido no oriente (e diante de uma menina
também perdida), algo que aqui não se dá. É de fato desafiador
e instigante, do ponto de vista dramatúrgico e rítmico, construir
emoção através de uma personagem que nada quer ou que não sabe
o que quer, e Amelio até desenha momentos pregnantes dessa apatia
facial-corporal de seu protagonista (Castellito, muito bem). Falta,
talvez, uma camada de humor (Murray) ou um anseio trágico que
desse ao filme uma vibração que ocupasse as lacunas da não-ação.
O que fica ao final é a sensação de que o filme é o testemunho
de uma desanimação contagiosa que nem abisma nem apaixona quem
a vê. E a desanimação, como tique-muleta de um academicismo do
não-herói contemporâneo, como disse lá em cima já me cansou também.
O filme que eu queria ver (se é que eu posso querer
algo), começa quando este acaba.
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