A Princesa do Nebraska (The Princess of Nebraska),
de Wayne Wang (EUA, 2008)
por Francis Vogner dos Reis

Imitação da vida

Um filme transnacional: uma adolescente chinesa vagando pela América. Aeroporto; celular com SMS e câmera de vídeo incorporado à narrativa: a garota mira a cidade e se filma também. A adolescente flerta com a prostituição nos Estados Unidos. Bares com karaokê, onde as personagens cantam. Ela está grávida e quer abortar. Dizem “você tem sorte de nascer na nova China”. Um filme sobre uma experiência do mundo em uma época em que tudo é hermético e transitório. Não há radicalidade da experiência, só temos uma inflação de signos e imagens saturadas. A personagem é quase uma sonâmbula movida por seus estados de ânimo, sua inconstância. Tem uma câmera solta, livre da necessidade de gestar as coisas dentro de um enquadramento. Epidérmico, pensa que documenta um admirável mundo novo, organizado por estilhaços de imagem, de personagens entre a indiferença e a reação extremada. Personagens desenraizadas, o mundo como um lugar de natural dispersão.

Wayne Wang se submete a olhar o mundo como um lugar em que o corpo disputa seu valor com o de objetos. Tudo é muito “contemporâneo”, mas isso quer dizer realmente alguma coisa? Não, é evidente. Temos aqui uma modalidade de compreensão de mundo. Um receituário que delimita o (não) lugar das coisas, a volatilidade do ser. É como se o mundo estivesse explodindo e a multiplicidade das experiências e dos elementos só restringisse mais as pessoas ao seu universo particular e autista. A História se transforma em um no man’s land, só que ao invés de ver aí possibilidades além das oferecidas pelas circunstâncias, temos um mundo que gira em torno do próprio eixo, mas gira em falso. Wang concebe um mundo sem relevo ou substância: temos um esqueleto que acredita ser a organização de uma trajetória (no caso, da personagem central), um jogo de forças.

Mas é bom deixar claro: não há drama. Algo que, há algum tempo e para determinados cinemas (Godard, Kluge, Sganzerla), era princípio primordial e vital. Só que a compreensão em A Princesa do Nebraska não é essa: a ausência do drama no filme de Wang não é uma opção: o que temos na verdade é uma simulação da vida, feita como ambiente virtual e tridimensional. A Princesa do Nebraska é um grande simulador. A superfície é plana, não há uma erupção do mundo nela; a plasticidade (todas as luzes, as gradações de cores, o volume das coisas, que é o que erige no filme um universo) não passa de imobilismo formal, papel de parede, corpo vazio. Cadáver ou robô? Robô, porque um cadáver exige uma vida pregressa, enquanto A Princesa do Nebraska tem uma vida artificial. É um simulacro – e depois se fala por ai de Speed Racer...

Outubro de 2008

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