em processo
Em terreno novo, mas familiar
por Cezar Migliorin

O carioca Vinícius Reis, que já realizou o documentário de longa-metragem A Cobra Fumou, filma atualmente seu primeiro longa de ficção, Saens Peña - em torno da Tijuca, bairro da Zona Norte carioca onde ele morou boa parte da vida e que poucas vezes e visto nas telas do cinema. Nos encontramos por 40 minutos durante a terceira semana de filmagens (de um total de quatro).

Como você produziu seu filme?

Ganhamos um edital da Petrobras de 800 mil reais. O filme estava orçado em um milhão e quatrocentos. O que temos agora é suficiente para a preparação e filmagem. Não temos dinheiro para a finalização e lançamento, mas faremos um primeiro corte por nossa conta. Estamos ainda captando para as etapas que faltam. Na verdade, o projeto sempre foi pensado com a possibilidade de rodar com esse orçamento, desde o roteiro.

O que significa em termos de limites para a produção do filme trabalhar com esses valores, próximos do que ficou conhecido como filmes BO (Baixo Orçamento)?

Significa que trabalhamos em um ritmo muito puxado e sem margem de imprevisto. Por exemplo, fizemos uma cena na praia que não ficamos satisfeitos com o resultado técnico. O produtor (Luis Vidal) e o fotógrafo (Fabrício Tadeu) querem refazer, mas provavelmente não poderemos, por uma questão de grana. Por outro lado, temos trabalhado com conforto: a fotografia teve todo o equipamento que pediu, trabalhamos com uma câmera HD com ótica de 35mm, o que dá um resultado excelente, com profundidades, texturas focais, etc. No som, a mesma coisa: o Paulo Ricardo trabalha com o Fostex multipistas necessário para o tipo de filmagem e captação que estamos fazendo. Os técnicos estão ganhando bem, mas estão acostumados a ganhar mais em outras produções. São pessoas experientes que trabalham em grandes produções e que estão nesse projeto movidas pelo desejo também. Diria que no nosso caso as condições de trabalho que a produção oferece são melhores que os salários.

Como foi o primeiro dia de filmagem?

Ensaiamos duas semanas com os atores, fora as leituras. No primeiro dia de filmagem eu estava muito ansioso, mas no terceiro plano do dia eu estava achando tudo muito legal. Fui descobrindo nessa semana que eu tenho duas vivências que estavam facilitando muito as coisas no set. A primeira é de dez anos de Tablado (escola de teatro no Rio de Janeiro) nos anos 80. Isso faz com que eu fale a mesma língua dos atores, conheça os jargões, esteja próximo a eles. Fiquei muito tempo no documentário e na televisão, mas esse saber estava ali guardado e agora está muito presente. A segunda se deve ao fato do filme se passar na Tijuca, fundamentalmente dentro de um apartamento de classe média, com pai sem camisa, suado e com pessoas se esbarrando em uma cozinha quente e apertada. E isso eu conheço muito bem também. (risos) Por todos esses motivos está sendo muito fácil marcar as cenas e isso tudo eu só saquei filmando.

Então no terceiro dia você já sentiu que o filme estava fluindo?

Na verdade não. Houve um momento no início da segunda semana que nós fizemos um plano que tinha um movimento de câmera, e uma relação entre os atores e ela, que de repente eu vi o que eu estava procurando. Foi como se eu tivesse achado o tom que eu queria para as cenas da família.

Por vezes a câmera está muito junto dos atores, quase se esbarrando. Ao mesmo tempo, o Chico (Diaz) e a Maria (Padilha) têm muita experiência, atuam com facilidade mesmo com essa proximidade, conseguem ficar livres da presença da câmera e simultaneamente muito conscientes dela.

Os ensaios foram feitos com a câmera?

Não. Era algo que a princípio eu queria, mas eles me convenceram que era melhor acharmos os tons e as entrelinhas sem a câmera e eu acho que está funcionando. No set é curioso porque também ensaiamos ainda bastante, agora com a câmera, e o plano é feito muito rápido.

Essas cenas da família no apartamento constituem a maior parte do filme?

Sim, mas a Tijuca é muito presente. Quando o filme se vislumbra na minha frente ele é uma mistura entre esses momentos em que a ação dos personagens dita o ritmo e que estamos na vida deles, e outros em que uma contemplação da Tijuca acaba se impondo. Nessa contemplação do bairro há um grande prazer também. Conheço muito bem a Tijuca, mas ao mesmo tempo esse olhar pelo filme, pela narrativa dos personagens, me faz descobrir muitas coisas. Assisti o News From Home, da Chantal Akerman na época da preparação e gostei muito da forma de ver a cidade, as esquinas, que está naquele filme.

Na verdade, estou o tempo todo variando entre uma confirmação das coisas que eu já conhecia em relação ao bairro e as descobertas que o filme me traz. O personagem principal (Chico Diaz) escreve um livro sobre a Tijuca, e a sua mulher (Maria Padilha), que é gerente de uma lanchonete, está procurando um apartamento para a família morar. Isso faz com que haja muita circulação pelo bairro. Eles estão com projetos importantes em que se dizem: “agora vai dar certo”.

O filme se passa quando?

O filme se passa no início de 2003. É o início do primeiro governo do Lula e os Estado Unidos estão prestes a invadir o Iraque, esses são eventos que acontecem meio no fundo da narrativa, aparecem na TV.

O que você viu de cinema quando estava preparando essa filmagem?

Ah, vi muita muita coisa. O filme, por exemplo, tem duas adolescentes e ai os dois últimos filmes da Lucrécia Martel foram importantes. Tentei achar aquela postura e atitude das adolescentes do Pântano e do La Ninã Santa. Achei no Cão sem Dono, do Beto Brant, um tom que também me influenciou. Gosto muito da comunhão que ele faz entre a fotografia e a narrativa. Em relação ao som, por exemplo, assisti o Mal dos Trópicos, do Apichatpong Weerasethakul e conversei muito com o Paulo Ricardo sobre o tipo de presença que o ambiente faz na vida dos personagens.

É curioso porque você é um cinéfilo, conhece muita coisa no cinema, mas na véspera de filmar o que você vê acabam tendo muita influência. Você fica muito sensível ao que vê é isso?

É isso. Teve um dia, nas vésperas da filmagem, que fui ao cinema assistir o filme novo do Jia Zhang-Ke, o Still Life: saí na metade, não suportei, era como se não conseguisse mais receber informações.

Pra fechar, você tem a Gisela, tua mulher, como diretora assistente. Tem sido bom esse trabalho em família?

Ótimo. Ela é super profissional, nem quer levar o Leon, nosso filho de 1 ano, pra almoçar com a gente no set, pra não atrapalhar. Eu digo pra ela: esse é o nosso filme, temos que aproveitar (rindo).

Saens Peña
Equipe Principal
Direção e Roteiro: Vinícius Reis
Fotografia: Fabrício Tadeu
Direção de Arte: Tainá Xavier
Som: Paulo Ricardo Nunes
Produção Executiva: Luis Vidal
Direção de Produção: Fernanda Neves
Elenco: Maria Padilha, Chico Diaz, Maurício Gonçalves, Gustavo Falcão, Guti Fraga, Aldir Blanc (como ele próprio), Isabela Meireles e Estela Brajtman

Setembro de 2007

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