Carta aberta aos responsáveis pela projeção
digital no Brasil
A
presença da projeção digital nos festivais
e mostras de cinema no Brasil, para não dizer no circuito
comercial, é algo cada vez maior e, aparentemente, inevitável.
Se há, é fato, algumas projeções bastante
dignas realizadas nesse formato, é fato também que
a enorme maioria dessas projeções costuma atentar
contra a integridade da obra exibida, deformando muitas vezes
janelas, cores, texturas e sons. Nesta última edição
do Festival do Rio, entretanto, a qualidade de tais projeções
atingiu um nível intolerável, o que gerou uma enorme
repercussão entre críticos, cinéfilos e o
público não-especializado que frequentou o evento.
A partir desse incômodo, os membro do Fórum da Crítica
- entidada que congrega críticos de cinema de todo o país
e do qual faz parte a Cinética - redigiu a carta abaixo,
como forma de protesto e chamamento à ação
e responsabilidade por parte daqueles envolvidos na projeção
digital no país.
Se estiverem de acordo com o exposto na
carta abaixo, convidamos nossos leitores a se juntarem a nós
no abaixo
assinado criado para tal, além de exigirem seus direitos
junto aos distribuidores e exibidores sempre que se sentirem lesados
por tais projeções.
***
A projeção digital chegou
ao Brasil com a missão de democratizar o acesso aos filmes
e libertar os distribuidores da dependência de cópias
em 35 milímetros, cuja confecção e transporte
são notoriamente caros. A instalação de projetores
digitais permitiria ao público assistir a títulos
que dificilmente seriam lançados nas condições
tradicionais e ainda ofereceria condições para que
espectadores situados longe do eixo Rio-São Paulo (onde
se concentram quase 50% das salas de cinema do país) tivessem
acesso aos mesmos títulos simultaneamente.
O que estamos vendo, no entanto, é uma total falta de
respeito ao espectador no que se refere à exibição
do filme propriamente dita. As razões são basicamente
duas: projeções incapazes de reproduzir fielmente
os padrões de cor e textura da obra e/ou projeções
incapazes de exibir os filmes no formato em que foram originalmente
concebidos. Sem falar no som, que muitas vezes ganha uma reprodução
abafada, limitada ao canal central, muito diferente de seu desenho
original.
A adoção da projeção digital pelos
dois maiores festivais internacionais do Brasil (o Festival do
Rio e a Mostra de São Paulo) e por outros festivais do
país, infelizmente, não respeitou o que seriam critérios
mínimos de qualidade de projeção de filmes
em cinema algo que é observado com atenção
em qualquer festival internacional que se preze. Trata-se de uma
situação particularmente alarmante tendo em vista
o papel de formadores de plateia que esses eventos desempenham.
Sucessivamente,
temos visto um autêntico massacre ao trabalho de cineastas,
fotógrafos, diretores de arte, figurinistas, técnicos
de som e até mesmo de atores. Apenas para citar um exemplo:
Les Herbes Folles, o novo filme de Alain Resnais, originalmente
concebido no formato 2:35:1, foi exibido no Festival do Rio, com
projeção digital, no formato 1:78. Isso representou
o corte da imagem em suas extremidades, resultando em enquadramentos
arruinados, movimentos de câmera deformados e rostos dos
atores cortados. Um pouco como se "A Santa Ceia", de
Leonardo Da Vinci, tivesse suas pontas decepadas, deixando alguns
discípulos de Jesus fora de campo e da história.
Para completar o desrespeito, não há qualquer aviso
em relação às condições de
exibição e o preço cobrado pelo ingresso
não sofre qualquer alteração.
Não nos cabe, aqui, pregar a volta ao 35mm
nem defender determinada resolução mínima
para a projeção digital. Sabemos que, se respeitados
determinados critérios técnicos ou seja,
se a empresa responsável pela projeção digital
receber do distribuidor o master no formato adequado, se
o processo de encodamento for feito corretamente, e se os ajustes
necessários para a exibição de cada filme
forem realizados cuidadosamente , a projeção
digital pode ser uma experiência perfeitamente satisfatória
para o espectador.
Não é isso, porém, que tem ocorrido. Exibidores,
distribuidores e os fornecedores do serviço da projeção
digital são responsáveis pela má qualidade
da projeção e coniventes com esse lamentável
descaso geral, que tem deixado críticos e amantes de cinema
indignados. É um desrespeito ao cinema e aos seus criadores,
mas, sobretudo, ao espectador e consumidor final, que saiu de
casa e pagou ingresso para ver um filme.
A situação chegou a um ponto intolerável.
Pedimos a todos os profissionais envolvidos com a projeção
digital que tomem providências para que tais deformações
não se repitam.
editoria@revistacinetica.com.br
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