Prometheus, de Ridley Scott (EUA, 2012)
por Thiago Brito

Eram os Deuses Astronautas?

A nave de exploração "Prometheus", um empreendimento da empresa Weyland, é enviada à lua LV-223. Nela, acredita-se encontrar a origem da humanidade. Lá, estariam os "Engenheiros", os seres criadores da Terra e de todos os seus habitantes. A hipótese é resultado da pesquisa de Elizabeth Shaw e Charles Holloway, dois pesquisadores que, ao entrarem em contato com imagens de culturas milenares, identificaram a reincidências de determinadas imagens que apontariam para um planeta remoto. Peter Weyland, homem idoso, quase à beira da morte, e dono da empresa Weyland, interessa-se pelo assunto e resolver financiar a expedição, dando à nave o nome "Prometheus", referindo-se diretamente ao mito fundador, onde o deus Prometheus teria roubado o fogo dos deuses e entregado aos homens - o que pode ser lido como a forma como os homens procuram superar sua condição humana para igualar-se aos deuses, em geral pela ciência, pela racionalidade colocada em movimento ao buscar domar a natureza.

É justo direcionar as questões de Prometheus a partir da chave "criador e criatura", principalmente em se tratando de uma revisitação de Ridley Scott ao universo em que foi pioneiro. E, se existe uma tendência no filme a levar suas questões a um limite, existe também um ato desesperador de Scott em se debater até o fim com sua criatura. Se Prometheus não se estrutura a partir de uma organicidade tão bem planejada e levada a cabo em Alien - com uma curva ascendente que percorre todo o filme, iniciando em planos longos e calmos, até atingir uma instância mais dinâmica e assustadora - é possível que estejamos mais próximos de Blade Runner do que se pode imaginar, de um filme cuja megalomania perpassou seu próprio criador. É um universo, estranho para o próprio Ridley Scott, que tomou seu próprio rumo a partir dos vários sequels de Alien, e que o diretor, agora, e com extrema fúria, busca novamente domar. E, se Prometheus é um dos filmes mais interessantes que o diretor fez em um bom tempo (talvez mais de uma década), é, em grande parte, mais por o que não realiza, do que necessariamente por o que realiza. É, em suma, mais em seu caráter de grande fracasso do que de grande conquista.

Longe de conseguir explanar e assegurar uma viagem tranquila, Prometheus é recheado de contradições, segredos, ímpetos e, bem, furos. De um lado, ele reconstrói a questão darwinista da sobrevivência, algo já explorado no primeiro Alien; do outro, parte para questões sobre nossa origem, mais especificamente, sobre nossa necessidade de saber o princípio de tudo. O Alien é, sobretudo, um ápice evolutivo: é a criatura perfeita, quase imbatível, da qual até mesmo o sangue é arma de guerra. É inteligente, procria com velocidade, organiza-se em grupo. Estar diante dele é estar diante do horror de ser uma criatura inferior, de ser um possível animal em extinção. Não existe pacto: é preciso a guerra e é preciso exterminá-lo. Aqui, o Alien é essa estrutura elementar que se conjuga com qualquer outro ser vivo, e promove mutações, transformações. Sua força é tanta que acaba por extinguir os próprio Engenheiros, que tinham como plano lançar esse "vírus" para a terra, de modo a "destruir para construir".

E a destruição predatória parece ser a regra do jogo. Seja por parte do personagem David - o robô à la Ash, interpretado por Michael Fassbender -, seja por parte dos Engenheiros e dos próprio humanos. A luta pela sobrevivência lastra por todo o filme, de modo que somos envolvidos em um redemoinho onde um precisa extinguir o outro para se afirmar enquanto criatura. David é um grande mastermind, que infiltra pequenas discórdias entre a tripulação, tratando-os quase como ratos de laboratório. "Quem não quer matar seus pais?", David pergunta a Elizabeth Shaw, ao que ela retruca que nem todos desejam isso. Mas David viu além e sabe que isso é o necessário, e Shaw será obrigada a matar seu criador para conseguir sobreviver. Estaria o legado do Alien lutando por sobrevivência, buscando escapar de seu grande criador, um outro mastermind, como Scott?

Podemos imaginar que sim. Mais do que uma adequação à forma que se filma atualmente, o talvez o ritmo do filme seja um ato de desespero. Se não possui o mesmo ritmo do original, é talvez porque Scott mesmo não sabe como lidar com essa sua criatura. Ela está fora de controle, está se rebelando. E o diretor faz de tudo para contê-la, mas tem que reelaborar continuamente suas estratégias: ao mesmo tempo em que consegue estabelecer um ritmo mais contido para as sequências iniciais do filme, onde vemos o robô David em seu cotidiano solitário, o filme acelera e desacelera continuamente.  Se toma seu tempo até o momento em que a expedição entra na nave dos Engenheiros, perde sua contenção quando Holloway é infectado e Shaw se vê grávida (a poucos minutos de termos descoberto que ela era, de fato, estéril - talvez um fio psicológico que Scott tenha buscado mitigar na estrutura do filme, tanto quanto a relação paternal entre Weyland e Vickers). Em tudo, voltamos às questões primordiais da morte do pai, da morte do criador para a sobrevivência da criatura - ou mesmo, a crença de que a grande harmonia sonhada por Holloway, Weyland e Shaw seja, no fundo, uma falácia.

A morte, ou a necessidade da morte, aparece no filme de duas maneiras: uma interna, e outra externa. A interna é também uma recorrência grande em boa parte da cinematografia contemporânea. Afinal, a tal estrutura elementar alienígena pode ser vista como um grande vírus, um vírus que propõe uma evolução. Assim, o grande vilão é também invisível, e se infiltra sorrateiramente pelo filme, começando pelo prólogo, no qual se torna a verdadeira protagonista, e ecoando no fim, através do arco dramático. É um grande espectro que ronda todo o filme, mas que só irrompe posteriormente, nunca sendo devidamente tratado. A morte externa é a boa e velha batalha por poder, por imortalidade e por controle, que é, também, de onde advém a metáfora prometéica e onde Scott se posiciona para tentar erguer seu filme. A bem da verdade, quando ignora a questão interna do vírus, e se apropria da batalha por poder, Scott direciona o filme para um penhasco sem fim, onde a saída se dará a partir de um ato de fé, que, embora realizado, é sempre visto e colocado de maneira cínica, ou mesmo incrédula.

Shaw, ao contrário de todos os outros expedicionários e da própria chefe de expedição, Vickers, possui aquilo que Weyland acredita ser o mais importante: a fé. Mas sua fé diverge, inclusive, da de Holloway. Este a direciona ao imediato científico: os deuses astronautas. Quando isso se torna um dado falso, Holloway entra em depressão. Shaw possui um amuleto, uma imagem de cristo na cruz, algo que fora dado por seu pai antes de morrer. Mesmo sendo uma cientista, Shaw se agarra ao amuleto, entoando uma antiga frase de seu pai: "É o que escolho acreditar". A crença de Shaw é um ato desesperado. É a confirmação do vazio que nega o vazio, porque a escolha da fé se torna uma necessidade, lhe dá a base que suplanta o nada, um acolhimento que propõe um movimento (e, assim, menos um motivo em si mesmo, e mais uma estratégia).

E é em Shaw que Scott deposita todas as suas esperanças. É em vê-la desejar ir até  o planeta de onde os Engenheiros vieram que está toda a motivação de seu projeto: um verdadeiro mise en abysme fatalístico, um amuleto ao qual o diretor se agarra com o único propósito de continuar e, quiçá, descobrir alguma coisa no caminho. Se não vamos aceitar que nada existe, é preciso continuar. Há um bom nível de cinismo nesta atitude, que se vê desesperada, mas há também uma possibilidade de abertura a partir da esperança. Se Scott não conseguiu extrair de fato nada de seu novo empreendimento, ele, tal qual Shaw, se abre para uma nova aventura, onde, talvez, vá encontrar o que esteja buscando. É algo no mínimo estimulante na carreira de um diretor que, até esse momento, nunca foi muito de deixar-se orientar por dúvidas. Perdido ou não no confronto com essa criatura, Prometheus é uma grande reviravolta...

Junho de 2012

editoria@revistacinetica.com.br


« Volta