in loco - cobertura do Festival do Rio

Quelques Jours en Septembre, de Santiago Amigorena (França/Itália/Portugal, 2006)
por Eduardo Valente

Personagens à espera de um filme

Logo nas suas primeiras seqüências, Quelques jours en Septembre chama a atenção para seus enigmas: belas mulheres (Juliette Binoche e Sara Forestier) que carregam armas de fogo sem algum motivo aparente, um encontro marcado com um personagem que se esconde nas sombras de um hotel barato de Paris, um jovem americano desconhecido. Trata-se de um filme de mistérios, logo descobriremos: mistérios quanto ao passado dos seus personagens e mistério quanto ao futuro imediato dos mesmos (e do mundo), onde vai se urdindo uma trama de segredos e tráfico de influência internacional.

Dentro desta penetração no universo do filme de espionagem, o grande trunfo do filme de Amigorena é assumir que a trama em si é menos importante do que a relação entre seus personagens. O verdadeiro assunto do filme é a espera: os personagens de Binoche, Forestier e do americano Tim Riley esperam por um desfecho que virá, e enquanto esperam brincam, seduzem, reviram o passado traumático dos três – todos ligados pelo personagem por quem se espera, como um Godot da CIA. Estes são, sem dúvida, os melhores momentos do filme.

Só que, infelizmente, a trama que se urde em torno desta espera é, no mínimo, mal resolvida. Embora trace um painel até certo ponto de interesse sobre a vida pessoal dos agentes de espionagem, Amigorena insiste em alguns vícios de linguagem que constantemente nos distraem deste material humano que poderia ser a grande força de seu filme. Primeiro, o personagem de John Turturro, que com todos os tiques do “personagem-Coen” só funciona enquanto parece ser ou uma piada assumida, ou uma curiosa encarnação desta que se leve a sério. Mas, não, o filme opta por um meio termo de fazer graça do personagem e levá-lo a sério ao mesmo tempo, e neste jogo delicado da balança, ele não se sustenta em nenhum momento, ficando realmente como um incômodo à fluidez do filme. Depois, há o suposto jogo visual da personagem de Binoche, que tira seus óculos todo o tempo, e nisso o filme a acompanha com um desfocado constante das imagens. Só que, além de repetir o artifício a exaustão, Amigorena ainda faz questão de “explicá-lo” pela boca da personagem, que afirma que precisa “ver as coisas de outra maneira”. Nada mais chato que um uso artificial de linguagem que se repete e ainda se explica em cena.

Finalmente, a principal questão do filme: depois de uma longa espera com algumas seqüências de muito interesse (e uma Binoche sempre cativante), chegamos ao final dos “alguns dias de setembro” em que se passa o filme. E a conclusão da trama não poderia ser mais anti-climática (afinal não é por acaso que Godot não podia chegar ao final da peça). Primeiro, com a entrada do personagem central da trama até então, que só se justificava na ausência. Entra em cena um Nick Nolte completamente auto-satisfeito com sua entrada como deus ex-machina, e cujas cenas são banais e desinteressantes. Depois, chega a conclusão do filme em si, banalíssima a partir do conhecimento que temos no filme todo de que aqueles dias são os imediatamente anteriores ao 11/9/2001. Claro que, desde a primeira vez que esta informação surge na tela logo no começo do filme, já sabemos onde o filme termina e entendemos onde toda a história quer chegar. Curiosamente, porém, Amigorena trata este final como se fosse uma surpresa, dedicando a ele inclusive um longuíssimo plano “tour de force de cineasta”. Parece não perceber o quanto seu filme perde com esta lógica tatibitate, inclusive do conteúdo até subversivo que quer passar (o conhecimento do serviço secreto americano do que se passaria naquele dia). Finaliza-se melancolicamente um filme que esconde dentro de si um outro filme de considerável vida (a relação dos três personagens que esperam), mas que não tem a coragem de assumir esta espera como o filme em si.

 


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