A
Questão Humana (La question humaine), de Nicolas Klotz (França,
2007) por Cléber Eduardo
O
nome das coisas
Os filmes dos anos
2000 no tema “mundo do trabalho”, em linhas gerais, debruçam-se sobre os danos
da perda do emprego. Executivos perdem seu lugar nas empresas e enlouquecem com
essa orfandade (A Agenda). Outros se devoram para fazer parte do time (El
Método) ou eliminam a concorrência (O Corte), ou ainda dão a volta
por cima e voltam a seus postos (As Loucuras de Dick e Jane). Há ainda
os personagens que se libertam ao tirarem o terno, em geral viajando e se descobrindo
humanos, não apenas máquinas de produzir dinheiro. E também não podemos esquecer
da comédia metalingüística de Lars Von Trier (O Grande Chefe), no qual
o núcleo do filme trata das estratégias de dominação. Apesar
do tom crítico de uns e outros, a ausência da empresa, mais que a empresa, é a
chave dramática da narrativa, exceção feita ao de Von Trier. A empresa só é nociva
na medida em que ejeta seus funcionários, ou cria uma gincana sádica para ver
se candidatos a funcionários vestem a camisa. A Questão Humana, de Nicolas
Klotz, como sugere o próprio título, amplia seu escopo de abordagem. Não é o problema
específico do desemprego e do enlouquecimento de um personagem a chave central,
tampouco a competitividade por um melhor lugar, mas a própria mentalidade e mecanismo
de funcionamento das corporações. Klotz coloca a câmera dentro da configuração
mental e política da gestão empresarial. Uma
empresa apenas é mostrada, sem dúvida, mas com estatuto de “imagem geral”, não
somente daquela empresa. Alguns personagens são acompanhados mais de perto, mas
a questão é humana e não de homens específicos. E o uso dessas palavras, “questão”
e “humana”, não são aleatórios, mas uma atitude política, de empregar os nomes
corretos para as situações em vista, restituindo à linguagem sua precisão mínima
e limpando dela os termos técnicos escamoteadores. Isso está no filme, em um diálogo,
na verdade um monólogo, quase ao final – um discurso na linha godardiana, na boca
de uma figura que entra em cena, antes de mais nada, para verbalizar um pensamento
sobre uma questão.
Em
uma contemporaneidade muito marcada por instâncias narrativas empenhadas em não
assumir um lado ou um ponto de vista, Klotz deixa claro de onde fala e filma,
sem fazer dessa atitude uma militância política antes de ser uma política de cinema,
um problema para ser resolvido na confecção do filme. E qual a mentalidade diagnosticada
por Klotz no mundo das corporações? A mentalidade do controle e da delação, do
apagamento de pistas e de reinvenção dos fatos, que une o método de uma corporação,
como a mostrada em A Questão Humana, ao dos nazistas em sua política de
extermínio. Os dois sistemas, o da produtividade e da destruição industrial, são
meio irmãos, como demonstrado por Klotz. Porque
há, sim, demonstração. Interessa ao diretor salientar como a empresa e o nazismo
são produtores de um mundo de evidências e de um discurso da produtividade sobre
esse mundo, no qual se apóiam para tirar da sociedade os responsáveis pelo não
funcionamento dele conforme foi planejado. Metas. Estratégia para cumpri-las.
Ejetar os classificados como dejetos. Quem está na linha de frente da artilharia
é Simon (Mathieu Amalric), psicólogo de RH incumbido de investigar a saúde mental
do presidente da companhia, após um corte de mais da metade da mão de obra. Simon
tem fama de ser implacável em seu esforço para servir a empresa. Diante dessa
missão, porém, entra em crise. Moral. Ética. Não quer fazer parte de uma cada
vez mais clara estratégia de eliminação de um executivo pelo outro, um e outro
conectados a um passado no qual o nazismo é uma sombra. Nada
de revisionismo, nada de olhar retro. O que importa, como o filme jamais deixa
nos esquecer, é o presente. O contemporâneo. É a empresa a questão, mais que o
nazismo. Klotz filma o ambiente desse sistema com uma luz entre sóbria e fria,
que salienta a assepsia e a formatação visual dos funcionários, os masculinos
principalmente, homogenizados com seus ternos bem cortados, com seus cabelos bem
penteados, com a absorção de um padrão homogenizador, como fica evidente no momento
em que vários estão entrando e saindo do banheiro. Klotz tem uma gravidade na
maneira de filmar e de narrar, mas é uma gravidade sutil e delicada, se isso é
possível: com uma câmera ao mesmo tempo rigorosa e discreta, com a composição
dos planos ao mesmo tempo muito pensada na disposição dos elementos e em busca
de uma retirada do autor esforçado para ser visto em cada solução visual. Outubro
de 2007 editoria@revistacinetica.com.br
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