Histórias do Rio Negro, de Luciano Cury (Brasil, 2006)
por Eduardo Valente

O rio é o mesmo

Não por acaso, o filme não se chama “Histórias das Gentes do Rio Negro”, ou algo do tipo: seu título não deixa qualquer dúvida sobre quem é o verdadeiro protagonista do filme, o Rio Negro. Aqui, as pessoas só são usadas como foco da narrativa porque o rio não sabe falar por si só – mas, se soubesse, isso seria o ideal, como vemos na seqüência final com imagens do rio e as vozes se superimpondo ao fundo. Este é um bom resumo do que é o filme: vozes indistintas que se confundem, sem nenhum interesse maior pelo específico de cada um dos entrevistados (sempre que algum parece perigar tornar-se “único”, é hora de seguir adiante), mas tão somente pelo que pode emergir do coletivo dos depoimentos ouvidos – e nisso o fato de que os nomes dos entrevistados só surgem agrupados nos créditos finais, sem que consigamos dar nomes aos rostos falantes, parece bem mais do que um simples acaso.

Histórias do Rio Negro é um exemplo bastante didático (palavra que lhe cai muito bem, aliás) para servir de diferença entre o que é um jornalismo básico disfarçado de cinema e o que é um olhar de cinema documental calcado em entrevistas (claro que o nome que vem à mente é o de Eduardo Coutinho – que, em oposição a este filme aqui, quando chama um filme de Edifício Master, poderia facilmente dizer “As Pessoas que Habitam o Edifício Master e sua relação com um cineasta”). Pois tudo que não existe em Histórias do Rio Negro é o desejo de possuir qualquer ponto de vista: estamos na seara do informativo, do ilustrativo, do institucional. O mundo em frente às câmeras preexiste a entrada destas em cena, e após a sua saída permanecerá o mesmo. Qualquer outro realizador munido da mesma “missão” (“retrate com um filme o entorno do Rio Negro”) poderia fazer exatamente o mesmo filme. Nada há de pessoal no olhar de Luciano Cury, não entendemos o seu interesse por aquilo que está em frente a ele – e, neste sentido, parece sintomático que até para entrevistar ele “contrate” um ponto de vista, no caso o do doutor Drauzio Varella (que, depois dos recentes quadros do Fantástico que apresentou, só empresta uma cara ainda mais genérica e televisiva ao filme).

O filme parece, assim, se eximir de tudo frente ao mundo, e patina o tempo todo no terreno do banal. Belas imagens? Claro, estamos frente a um fenômeno natural: com um pouco de conhecimento de luz e câmera, haveria material para fazer um longa mudo só com as imagens do rio. Histórias minimamente interessantes? Claro, afinal qualquer pessoa tem pelo menos uma história boa para contar – tanto mais quando habitam um ambiente tão diferente do mundo moderno e urbano de onde vêm o diretor e (óbvio) os espectadores que verão o filme. Assim, qualquer menção a um parto natural feito com parteira ou à visão de um ser sobrenatural (curupira, cobra grande, etc) consegue algum efeito, não importando quão repetidos e reciclados sejam os temas. De fato, a comparação com um Globo Repórter ou com as capas da revista Veja seria procedente: assim como nestes, a impressão que fica é que já vimos este filme antes. E, provavelmente, já vimos – e ainda veremos de novo algumas vezes.


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