Rock'n'Rolla
(idem), de Guy Ritchie (Reino Unido, 2008) por
Fábio Andrade A
imagem roubada
Em A Moeda do Absoluto –
uma de suas História(s) do Cinema – Jean-Luc Godard pensa como os cinemas
europeus reagiram à segunda guerra mundial. Embora só os italianos tenham tido
algum tipo de resposta mais concreta – e é justamente sobre o neo-realismo que
Godard tratará nesse episódio – seu comentário sobre o cinema inglês é especialmente
mordaz. “O cinema inglês”, diz em voice over, “fez o que fez em toda a
história do cinema: nada”. Embora Godard venha relativizar sua ironia declarando
amor, no episódio seguinte, ao cinema do britânico Alfred Hitchcock, sua frase
volta à cabeça ao longo de toda a projeção de Rock'n'Rolla – filme de Guy
Ritchie, exibido no Festival do Rio em uma mostra dedicada ao novo cinema inglês.
Porque, surpreendentemente, Ritchie faz um filme sobre a
busca por uma imagem. Narrativamente, ela se traduz em um quadro que passa de
mão em mão e é buscado por todos até o final do filme. É notável, porém, a inquietação
do realizador inglês pela posição do cinema local diante do mundo, e Rock'n'Rolla
se revela, sobretudo, uma busca por essa imagem perdida. Essa busca de identidade
se mostra mais curiosa à medida que analisamos a construção interna do filme.
Para além do sotaque, Ritchie povoa seu filme de ícones da arte inglesa: como
símbolo da grande pintura, um quatro de J.W.M. Turner na parede; como exemplo
de boa música, uma canção do Clash. Curiosamente, esses bastiões da grandeza britânica
parecem colocados à força dentro de um filme que, esteticamente, não encontra
diálogo com seus pares locais. Guy
Ritchie é, obviamente, um grande fã do cinema norte-americano, mas os símbolos
nacionais em Rock'n'Rolla vêm tomados pela culpa; enquanto Quentin Tarantino
(referência mais óbvia para a superfície de seu cinema) dialoga abertamente com
os cinemas estrangeiros que povoam suas próprias imagens, Ritchie controla seu
afeto em busca de uma assinatura, domando a presença de suas influências com medo
de elas clamarem o filme para si. Ironicamente, é exatamente isso que sua covardia
lhe ganha: em vez de um olhar que pensa as imagens que consome, RockNRolla
é assombrado por suas próprias influências, tentando – sem sucesso – fugir delas
plano a plano, sem a confiança de abandoná-las como terreno de familiar eficiência.
O que sobra, portanto, para Guy Ritchie, além do empilhamento descontrolado de
cinemas outros? RockNRolla é, entre os filmes de Ritchie,
o que melhor responde a essa pergunta, fazendo com que a questão maior para o
espectador seja se dar ou não por satisfeito com essas respostas. Sobre sua decupagem,
poucas sequências são tão ilustrativas quanto a que dois personagens se dividem
entre quatro conversas telefônicas; os cortes entre uma ligação e outra, ouvindo
informações incompletas que o raciocínio (como a obrigatória voice over)
parcamente amarra, sintetizam o vai-e-vem da montagem de Ritchie, em um desvio
de atenção crônico que nunca pára para ver ou ouvir nenhum dos fragmentos de mundo
que cria para si. Sobre a natureza de suas imagens, outra sequência é chave: ao
filmar um show da banda The Subways, Ritchie impõe o desejo de simulacro trocando
a performance da canção pelo playback da gravação da banda em estúdio.
Rock'n'Rolla é tomado por esse esvaziamento da imagem, esse simulacro da
aparência. É cinema em playback. A
preocupação de Ritchie não é, portanto, com a imagem, mas sim com uma aparência
de imagem. Não à toa, o quadro cobiçado por todas as personagens do filme nunca
é mostrado; só vemos sua moldura, seu entorno, seu verso. Não há importância em
criar ou revelar uma imagem; para Ritchie, ela não passa de um mcguffin. Ao
fim da projeção, fica a impressão de que o personagem que mais se assemelha ao
diretor é o viciado em drogas que revende todo tipo de coisa para acalmar seu
vício. Quando ele oferece uma cópia do quadro a seu dono original, ele imediatamente
puxa um maço de notas do bolso e pergunta quanto custa. Embora concretize a venda,
o contrabandista fica extremamente frustrado por não usar o discurso que havia
preparado sobre o quadro. Sua crença era de que o fator de convencimento determinante
não fosse a imagem em si, mas sim sua retórica sobre ela. Setembro
de 2008editoria@revistacinetica.com.br
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