Romance de Formação, de Julia de Simone (Brasil, 2011)
por Fabian Cantieri

Dialética em formação

Há um chavão no discurso político que propõe a educação como base de sustentação para a reforma da sociedade brasileira. Dentro dessa lógica, saúde, infra-estrutura, segurança pública e qualquer outro investimento  governamental dentro de cada setor público se caracteriza paliativo ante a implementação de melhorias drásticas no que seria esse sustentáculo do progresso. Pois bem. Sendo tão fácil a percepção da solução, Romance de Formação se distende para como se dá essa educação, questão que certamente se desdobra em aplicações práticas bem mais complexas e sem saídas tão fáceis.

Na apresentação das personagens já temos um grande esboço: o músico que havia se apresentado num suntuoso teatro ensaia e depois lê sua carta de recomendação. Nem mesmo a arte escapa ao processo burocrático-acadêmico seletivo. Seja artista, químico, crítico literário ou advogado, é preciso se adequar ao business no qual o indivíduo se insere e esta porta de entrada, mesmo entre universos diferentes (no retrato abarcado por Julia de Simone), tende a ter as mesmas leis; faz-se necessário uma disciplina colossal para abarcar tanto estudo. Já no primeiro exemplo, a música clássica parece remeter aos tempos pré-iluministas que não haviam cunhado ainda o conceito de belas-artes, a uma techné onde a depuração artística mais parece provir de um artesanato árduo e laborioso, pois nos tempos pós-rock and roll o dom natural simplesmente não basta diante de uma concorrência exacerbada de talentos. Concorrência que existe em toda área de estudo, e em perspectivas exponenciais de crescimento.

Mas, deste procedimento draconiano, surgem almas que, de tão ingênuas (para não dizer cafonas), parecem ser de uma outrora fabular, tentando se adaptar a essas novas leis de mercado. Romance de Formação levanta um panorama, poucas vezes aprofundado na história do cinema brasileiro, que distorce a chave utópica dos livros como salvação. Seja ela da nação, do mundo ou de si mesmo. Pois é dessa matéria-prima arcaica, da qual todos tomam como meta seu mergulho profundo, que a filosofia primária entre eles se desvenda: todos sabem que nada sabem e assumem essa fissura humana como obsessão impulsiva para seu próprio crescimento. Num plano esclarecedor, Wilian, ao orar com a mãe e irmã, pede a Deus sucesso espiritual e profissional. É como se um tivesse intrinsecamente ligado ao outro. A própria conotação de sucesso (e o que esta palavra nos remete) como meta primeira de felicidade imprime um apontamento rígido dos moldes onde se encontra a tal da felicidade. A bula que guia a classe média brasileira vira formuláica.

Mas também, passada a superficial apresentação, quando a fórmula é transposta, Julia de Simone, aos poucos, reverte o jogo barroco de um diálogo em preto e branco para complexificar adicionando novas matizes a cada rodada. Assume a encenação de planos mais banais (como os estudantes pegando livros, fazendo exercícios matemáticos ou prostrados ora contemplativos ora militarmente); aproveita a poeira do acaso documental (a imagem da menina em Harvard, comendo coxinhas e lendo ao mesmo tempo, tem um poder expressivo cabal sobre do que se trata o filme); até chegar em momentos de pura empatia (como no plano onde Willian discute com a família como o Cristo Redentor foi parar ali em cima, ou na maioria das cenas de Caetano que transborda simpatia mesmo sendo absolutamente possível discordar de cada passo-pensamento que ele galga). No fim, fica essa impressão de uma contradição latente (sintetizada pelo plano de Fabio, que ao se ver como garoto-prodígio no programa do Jô surpreende ao responder que “fica feliz por não tocar mais tão mal daquele jeito, graças a Deus evoluiu”) entre essa experiência erradamente inequívoca e uma franca encenação imersiva. À frente da tela, o futuro questionável e/ou meros fantasmas de uma eterna contradição em formação?

Dezembro de 2011

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