in loco - cobertura dos festivais

Rosa Morena, de Carlos Oliveira (Brasil/Dinamarca, 2010)
por Eduardo Valente

Brasil sufocante

Embora tenha como protagonista de sua narrativa o personagem de um homem dinamarquês, Rosa Morena claramente está mais interessado num outro personagem, que é de verdade sua razão de existir: o Brasil. Brasil entendido aqui como imposição de uma realidade sócio-econômica específica onde a narrativa se desenrola, mas também o Brasil como construção de imaginário para um estrangeiro – e aí é importante dizer que não falamos apenas do personagem principal, mas também do roteirista do filme, igualmente dinamarquês. De fato, trata-se de algo central saber que o filme não apenas é uma coprodução entre Brasil e Dinamarca, como é dirigida por um brasileiro que estudou cinema em Copenhagen, a partir do roteiro escrito por um dinamarquês.

Essa dinâmica de olhares, entre o estrangeiro e o local, é de fato o que de mais interessante Rosa Morena tem – assim como a fonte de seus problemas. Porque há dois movimentos opostos em operação no filme: de um lado, as interações entre seus personagens, em sua rede de relações; do outro, a estrutura maior do roteiro com sua necessidade de traçar uma jornada tradicional do herói – aquele que tem um problema a resolver, se envolve com uma série de personagens secundários que ajudam ou atrapalham a que isso aconteça, passa por peripécias, e é forçado a repensar sua posição inicial ao mesmo tempo em que atinge a resolução final. É no primeiro aspecto que Rosa Morena melhor se resolve, através de uma competente (embora protocolar) decupagem  hiperrealista em scope, mas principalmente através de um trabalho de elenco e direção de atores extremamente feliz (com destaque especial à presença comovente de Barbara Garcia como a protagonista feminina). Mesmo tendo todos os personagens claras funções a cumprir em cena, eles conseguem respirar por si mesmos com bastante liberdade a partir de sua encarnação naqueles corpos. Sempre que se dedica a resolução interna do microdrama de uma cena, o filme encontra seus momentos de força, seja nos momentos mais dramáticos, seja em pequenas pérolas localizadas (como a cena do mijo dos dois personagens no muro, onde várias emoções se colocam e são resolvidas sem nenhuma frase ser dita).

Só que existe o outro filme, e a maneira como este se impõe acima da força dos personagens em cena acaba sufocando um tanto esta energia – ou no mínimo impedindo que ela vá a mais lugares inesperados. E é aí que se evidencia porque o Brasil é afinal o que está em jogo o tempo todo: na maior parte das “viradas” que o filme realiza, a impressão é de que a imposição das mesmas vem muito menos de motivações pessoais dos personagens, e muito mais da necessidade de problematizar a “complexidade da realidade brasileira” (algo que o filme faz sempre com um olhar que se pretende questionador, mas que também tem um tanto de condescendente – como se espera daquele que olha de fora, mas com carinho). Claro, não é caso de se imaginar Rosa Morena sem este aspecto, uma vez que ele é o que origina tudo, e seria absurdo imaginá-lo diferente. No entanto, também não dá para se fugir da constatação que o peso do Brasil acaba sendo grande demais para os ombros dos (bons) personagens de Rosa Morena.

Outubro de 2010

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