Pecados Inocentes (Savage Grace),
de Tom Kalin (EUA, 2007)
por Francis Vogner dos Reis

Édipo arrasado 

Em uma crítica, das várias qualidades que se pode delegar a um filme, a de “filme bonito” traz muitas vezes uma dose de atração somada a um desinteresse considerável. Não um desinteresse esnobe, um “desprezo” por assim dizer, mas a completa falta de vontade do escriba de sair em defesa de qualquer princípio estético do tal filme bonito ou de achar que aquilo tem seu pequeno valor, apesar de tudo. É o enlevo do efeito emocional da beleza (dramática ou estética) contra o rigor do olhar, que deve exigir sempre mais do que uma arte que se mostre bela e contundente.

Pecados Inocentes de Tom Kalin é muito bonito. Não é agradável e nem inofensivo (é até agressivo em alguns trechos), mas é belo, com algumas qualidades e todos os defeitos que essa “beleza” acarreta. O diretor adota uma postura artística que a gravidade de sua proposta dramática – uma história com incesto, matricídio, adultério – encampa. Se o caminho fácil seria o do filme ultrajante, Kalin acredita que a via da leveza narrativa, do comedimento cênico e do rigor plástico é fundamental para que o filme tenha a força e a profundidade necessárias. Assim, Pecados Inocentes é tomado por uma atmosfera solene e desconcertante. A ascese dos personagens é trágica, o que aspira a uma beleza proposta pelo conflito, um conflito em que Tony Baekeland (Eddie Redmane) é um Édipo que desposa, à sua revelia, a sua Jocasta, Barbara Baekeland (Julianne Moore). Um Édipo que implora a volta do pai e que a fatalidade leva ao assassínio da mãe, paradoxalmente do que o arquétipo propõe.

Do abissal trágico temos uma superfície que evoca e orienta sensações e que ecoa a gravidade da condição dos personagens. As várias fases (ou atos) da vida de Tony e Barbara são pontuadas por algum escândalo. A questão que se coloca: seriam essas cenas fortes – como as das explosões públicas de Julianne Moore, o encontro dela no hotel com o marido, o ménage a trois com a participação do filho – ou simplesmente contundentes, no sentido em que busca uma aproximação sutil e delicada para algo que seria, em si só, chocante? O diretor trata a decupagem e o desenvolvimento das cenas, não como radicalidade da ação, mas como subterfúgio. Esse é o cinema do “não tudo mostrar”, como diria Walter Salles. Demagogia, claro. Sabemos que algo acontece nas cenas de sexo, mas opta-se antes por dar a entender, do que dar a ver. Sabemos que a família está em desagregação, mas Kalin acha que isso se revela nas explosões de temperamento da protagonista. A tragédia não é feita por meio de uma ascese, mas sim por estratégias dramáticas pontuais.

A plasticidade sofisticada, sóbria e ao mesmo tempo de bom gosto, é um verniz. Embala uma história que evoca grandiloqüência, mas que dramaticamente é só sensacionalista e folhetinesca, supostamente evitando o sensacionalismo e o folhetim. Pecados Inocentes é aquele tipo de filme que, na falta do que dizer, chama atenção para si a partir de suas maravilhas isoladas, “uma bela fotografia, uma bela direção de arte, uma montagem vibrante, atores em estado de graça”. Suas maravilhas não afirmam – em conjunto e sintonia – o projeto do filme como um todo. Suas qualidades são espalhadas, solitárias e se fossem por si só certificado de grande desempenho estético, poderíamos julgar que o resultado de um filme é somente fruto da astúcia de uma reunião de esforços, não de um esforço que agregue tudo isso sob um ponto de vista. Esses esforços desconjuntados resultam em uma beleza e uma força que tem tanto de intangível como de estéril.

Pecados Inocentes é o anti-Ken Park ao tocar nas mesmas questões pretendidas por Larry Clark, mesmo que a “tragédia” do diretor Kalin busque um tom diferente da “crônica” de Clark, que fez de Ken Park um filme em que a agressividade e o torpe encampam a proposta em ser tão e somente selvagem, sem poesia fácil, sem conciliação através do status de “artístico”. Só que enquanto Clark em Ken Park estaria para um pintor violento como Jean Rustin, a visão artística de Tom Kalin em Pecados Inocentes é semelhante a de um pintor acadêmico de terceira, tipo Jules Breton.

Maio de 2008

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