Segurança Nacional, de Roberto Carminati (Brasil, 2010)
por Filipe Furtado

O anti-Paulo Emilio

Já na primeira seqüência, o projeto daquilo que é Segurança Nacional se descortina menos pelo que acontece – Thiago Lacerda infiltrado entre os traficantes latinos em algum buraco da Amazônia, enquanto a cavalaria do exercito se aproxima –, e mais pela forma com que cada plano parece buscar um peso icônico. Eis o raro filme de um sujeito que viu muitos outros e ganha os recursos para realizar o dele. Enquanto o exercito brasileiro se move, a câmera de Carminati parece comunicar: “veja só, podemos dar ao nosso exercito ares cool também” – só que o tempo todo existe algo de impostado nestas imagens. O desejo é genuíno, mas elas sugerem o esforço desesperado de se validar mais do que o resultado desejado.

Um primeiro olhar, preguiçoso, apontaria o resultado pífio do projeto a partir dos seus problemas mais superficiais: as fragilidades do roteiro ou o filme não ter a capacidade de produção que sustente a grandiloqüência da sua premissa. No entanto, como existem alguns tantos filmes de ação com roteiros igualmente pobres, este é só um pequeno detalhe; já o segundo defeito óbvio não deixa de dizer algo sobre o projeto como um todo. Há duas maneiras pelas quais filmes de ação de baixo orçamento podem disfarçar isso: Através de algumas saídas criativas nas construções de situações e/ou cuidado muito grande com a decupagem (chamemos isso de “método Hong Kong”); ou buscando soluções que sugiram que a ação filmada é mais ampla do que ela realmente é (chamemos isso de “método TV americana”). Não é nenhuma grande surpresa – e nenhuma grande vergonha, vale dizer – que Segurança Nacional opte pela segunda: afinal, se Roberto Carminati não parece ter habilidade para fazer muito mais, isso poderia ser o suficiente (como é o suficiente para uma série como 24 Horas), se Segurança Nacional se apresentasse de forma modesta. Como o oposto acontece, termina por expor ainda mais as limitações do seu realizador.

Claro que mesmo que existisse talento no comando do filme, ele ainda sofreria de vários outros defeitos. Poderíamos falar, por exemplo, em como falta a Segurança Nacional coragem de levar suas idéias ao limite. Vejamos o momento quando Thiago Lacerda vai falar com um preso que tem informações importantes, e o filme deixa entender que ele fará de tudo para fazer valer o título do filme. Na hora H, basta um discurso sobre a família para o sujeito rapidamente abrir a boca. Afinal, num cinema brasileiro de boas maneiras, jamais sobrará espaço para nosso protagonista nos deixar numa posição desconfortável.

Sejamos claros: Segurança Nacional não é péssimo por ser um filme de ação brasileiro ou por funcionar como um comercial do nosso exercito – ambas estas condições poderiam se tornar questões num filme interessante. É péssimo por uma completa inabilidade de existir como um filme, todas as demais questões suscitadas existindo somente em segundo plano. Segurança Nacional por vezes sugere a antítese da tese de Paulo Emilio sobre nossa incapacidade de copiar. Porque não existe nada de interessante por trás da incapacidade de Carminati. É uma espécie de Matar ou Correr às avessas: enquanto ali a trama parodiava o faroeste e ao mesmo tempo víamos todo o prazer de Carlos Manga de se aventurar por algumas sequencias do gênero com muita competência, aqui a trama segue sisuda até em excesso, enquanto a execução de Carminati flerta com uma parodia acidental.

Maio de 2010

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