Sex and the City – O Filme (Sex and the City),
de Michael Patrick King (EUA, 2008)

por Marcus Mello

É ruim, mas é bom

No seu livro sobre seriados americanos, Em Tempo Real (Editora Alameda, 2006), o crítico Cássio Starling Carlos sublinha a importância de Sex and the City no boom dramatúrgico vivido pela televisão dos Estados Unidos na última década, ao lado de outras produções bem sucedidas como 24 Horas, Família Soprano, A Sete Palmos ou Lost. Ao longo de seis temporadas (1998-2004), o seriado criado por Darren Star retratou com muito bom humor a nova realidade vivida pela mulher de classe média numa grande metrópole ocidental. Independentes, solteiras, consumistas, ávidas por sexo e solitárias, as personagens Carrie (Sarah Jessica Parker), Samantha (Kim Cattrall), Miranda (Cynthia Nixon) e Charlotte (Kristin Davis) refletiam uma mudança comportamental com a qual nossas mães nem sonhavam. O êxito foi imediato e logo Sex and the City se tornaria uma mania mundial. A adaptação cinematográfica era apenas uma questão de tempo.

Embora venha dividindo opiniões por onde passa, originando uma avalanche de textos que vão da execração absoluta à adesão com reservas, uma produção como Sex and the City – O Filme de certo modo ajuda a escancarar a irrelevância da atividade crítica. Afinal, qualquer esforço argumentativo acaba soando meio ridículo, diante da constatação de que mesmo os fãs mais apaixonados do popular seriado televisivo evidentemente não levam aquilo tudo tão a sério. Ainda assim, já que estamos mesmo sendo muito bem pagos para isso, não custa arriscarmos algumas linhas sobre as aventuras de Carrie Bradshaw e suas amigas na tela grande.

Sim, não há como negar. Os cinemas de shopping center parecem ter sido criados para exibir Sex and the City – O Filme. E as gigantescas filas diante das bilheterias apenas confirmam o óbvio: essa celebração alucinada do consumo de luxo em forma de comédia ligeira é o filme que os prósperos exibidores do Iguatemi sempre pediram a Deus, desde aquele fatídico dia em que todos os nossos cinemas de rua viraram igrejas e estacionamentos. Pois é chegada a hora de o crítico abrir seu coração ao leitor: assisti a todos os 94 episódios de Sex and the City, em DVD, ao longo de uns dois anos (já após o cancelamento de suas temporadas). Outra confissão: cultivava um grande preconceito contra seriados de TV, até o momento em que percebi que não há pior crítico do que o crítico preconceituoso.

Mas o que me atraiu em Sex and the City, o seriado? Em primeiro lugar, a franqueza com que o sexo era tratado, algo pouco comum de se ver na televisão. Em seguida, a agilidade dos episódios (com apenas 30 minutos de duração) e a graça dos diálogos, além da presença de Cynthia Nixon e Kim Cattrall, duas ótimas atrizes defendendo personagens deliciosas, a workaholic reprimida e a ninfomaníaca insaciável. Finalmente, as curiosas participações especiais de estrelas meio cadentes – de Candice Bergen e Sônia Braga ao lynchiano Kyle MacLachlan. Em contrapartida, nunca gostei das personagens de Sarah Jessica Parker (com sua filosofia de almanaque) e Kristin Davis (com seu puritanismo e obsessão pelo casamento). Algumas situações se repetiam à exaustão e freqüentemente passava semanas sem assistir a um episódio, mas em geral a diversão era garantida. Assim sendo, quando o filme chegou aos cinemas eu estava ansioso para vê-lo. E então?

Antes de tudo, há que se louvar a honestidade deste Sex and the City. Eis um filme que não engana o seu público, oferecendo ao espectador exatamente aquilo que ele foi buscar: entretenimento descompromissado e o reencontro com personagens com os quais se habituara a conviver prazerosamente. Entretanto, várias pessoas têm se mostrado decepcionadas com o resultado. Há aquelas que nunca assistiram ao seriado antes e estas talvez devessem ter ficado em casa lendo um bom livro, para evitar o aborrecimento. Mas também estão entre os desapontados muitos dos fãs incondicionais da versão televisiva.

São espectadores que percebem a principal fragilidade dessa transposição cinematográfica: existe um abismo separando um episódio de um simpático show de televisão com meia hora de duração de um longa-metragem de 148 minutos (a exemplo do folhetim literário, em razão da especificidade de seu formato, o seriado sempre será melhor fruído quando consumido em capítulos). Tal deficiência poderá ser menos ou mais relevada pelo espectador, dependendo apenas da disposição de cada um para desfrutar de uma despretensiosa comédia hollywoodiana numa noite de sexta-feira. Embora reconheça os defeitos do filme – a encenação convencional, o roteiro claudicante, a boçalidade de determinadas seqüências (entre as quais se sobressai a grosseria do episódio mexicano) –, estes não chegaram realmente a me importunar. Simplesmente porque naquele dia, ao sair para o cinema, o que eu queria mesmo era ver um bom filme ruim.

O escritor – e cinéfilo – Rubem Fonseca tem uma frase muito ilustrativa no conto “Carpe Diem”: “Quem só quer ver filmes bons, não gosta de cinema”. O que me faz recordar de outra frase de um crítico da Cahiers du Cinéma, escrevendo a respeito de Julia Roberts: “Seus filmes são péssimos, mas ainda assim nós a adoramos e corremos para o cinema a cada nova estréia”. Se até algum tempo atrás havia uma enorme resistência ao cinema de entretenimento e ao filme de gênero (que a crítica francesa, a partir da geração Cahiers, ajudou a sepultar), é preciso também que nos levantemos contra o preconceito em relação aos maus filmes. Para além das evidentes debilidades de Sex and the City, o que realmente me incomoda é o tom de determinados ataques ao filme, nos quais se revela a desagradável mania cultivada por certos críticos que acham que a sua diversão é melhor que a diversão dos outros.

Para concluir, um ou dois motivos menos banais para se defender este Sex and the City. Por trás de sua fachada de produto pré-fabricado para a alienação das massas, o filme de Michael Patrick King subverte alguns códigos bastante rígidos de Hollywood. Em um texto clássico dos estudos de cinema, “Prazer Visual e Cinema Narrativo”, publicado em 1975, Laura Mulvey descreve como o cinema hollywoodiano se construiu inteiramente a partir do olhar de desejo masculino em relação à mulher (o que a autora chamou de “escopofilia fetichista”), afirmando que já era hora de superar “essa forma tradicional de cinema”. A inversão dessa visão falocêntrica do cinema defendida por Mulvey realiza-se plenamente em Sex and the City.

A voracidade de Samantha em direção aos homens, transformados em objetos sexuais para o desfrute de uma mulher independente, que prefere abrir mão de um casamento perfeito para exercer livremente sua sexualidade, revela uma saudável mudança de comportamento. Além disso, o filme promove um bem vindo elogio à mulher madura (o desfecho da trama acontece numa festa de aniversário de 50 anos) e ainda tem o mérito de afirmar padrões de beleza menos óbvios (nenhuma das protagonistas é uma beldade no sentido tradicional do termo). Por outro lado, sinal dos tempos, a sanha consumista daquele grupo de personagens diz muito do mundo superficial em que vivemos, mostrando que o luxo, por estar de mãos dadas com o excesso, quase sempre descamba para a vulgaridade.

P.S. Em 1939, George Cukor dirigiu um filme chamado As Mulheres (The Women), que mostrava as tribulações de um grupo de ricaças em Nova York, às voltas com salões de beleza, desfiles de moda, festas e crises amorosas. Está disponível em DVD. Como tantas fantasias escapistas do período (lembremos das extravagâncias estreladas por Greta Garbo e Marlene Dietrich nos anos 30), produzidas para vender sonho e ilusão às multidões empobrecidas durante a Depressão, As Mulheres tornou-se um clássico do cinema. Não à toa, esta versão avant la lettre de Sex and the City acaba de ser refilmada. Breve num cinema perto de você.

Julho de 2008

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