Sherlock Holmes (idem), de Guy Ritchie
(EUA, 2009) por Cléber Eduardo
Downey
Jr x Guy RitchiePodemos pressupor que, diante de um filme
protagonizado por Sherlock Holmes, há dois posicionamentos prévios, tanto da parte
de quem realiza como de quem vê. Nos dois casos, mas de diferentes modos, o interesse
é um só. Mostrar e ver o método de investigação do detetive, baseado em dedução
lógica a partir de uma análise veloz das evidências, mas sem se deter somente
nelas. Para Sherlock, seja o da literatura de Conan Doyle, seja os de suas muitas
adaptações para cinema, a verdade está, como no cinema clássico, “a partir” das
evidências. Não nelas em si mesmas. Isso porque sempre há um segredo atrás da
porta (conforme pensou Serge Daney sobre o cinema clássico), ao qual não temos
acesso pelas imagens, a não ser quando o personagem explicita sua lógica. Sherlock
está sempre à nossa frente. É um caso de focalização interna, termo de Gérard
Genete para designar quando o narrador, na literatura, tem informações ignoradas
pelo leitor. Essa vantagem dada ao personagem sobre o espectador, no caso do filme,
desvaloriza as imagens por nós vistas, porque, para se chegar a alguma conclusão,
depende-se sempre das palavras (dele), ilustradas por imagens rápidas com as quais
mal podemos nos relacionar. O mesmo procedimento é invertido, sem deixar de ser
o mesmo procedimento, quando ele planeja uma ação, em geral da ordem da violência
física. Ele pensa em voz alta sobre cada um dos seus passos, sobre a reação do
oponente, e acessamos essa imagem em câmera lenta, antes de, quando ele vai viabilizar
seu planejamento mental, vermos os golpes em imagens aceleradas. O mundo de Sherlock,
ou para Sherlock, é sempre previsível. Ele não é um manipulador de marionetes,
mas sabe como as marionetes serão manipuladas, com um poder quase xamânico, de
vidência mais que de lógica. Talvez seja por isso que ele demonstre enorme tédio.
Há poucos desafios com os quais lidar e nos quais pode empregar sua genialidade.
No
filme, surge um. E é desafio porque o vilão a quem deve mascarar parece ter forças
ocultas e parte com o sobrenatural em sua escalada rumo ao poder a partir da sustentação
de uma sociedade secreta. Cabe a Sherlock, rei da lógica, mostrar que Blackwood,
o tal vilão, apenas explora truques, mágicas e ilusionismo, não o sobrenatural.
Depende dessa comprovação a manutenção do mundo de Sherlock. No restante do tempo,
justamente por tudo ser lógico, o mundo é entediante. E talvez seja esse tédio,
essa procura por novos padrões em experimentos científicos, essa sede de lidar
com o desconhecido, que mantenha de pé esse Sherlock Holmes.
Que
talvez só fique de pé por conta de Robert Downey Jr, figura superior em importância
à do diretor Guy Ritchie (nesse filme, mas não só). É Downey quem torna o personagem
minimamente novo, sem a poeira dos tipos muitas vezes levados ao cinema, sem a
previsibilidade de personagens convertidos em dado da cultura. O ator nos permite
ficar até o fim da sessão, pode nos provocar alguns risos, fala alguns diálogos
como só ele falaria. Só não torna
o filme melhor porque parece lutar contra Guy Ritchie. O que dizer do diretor,
cujo currículo, não fosse o casamento com Madonna, seria uma nulidade completa?
Pode-se dizer que, embora pareça o contrário, Ritchie não gosta da imagem. Porque
não existe apreço pela imagem da parte de um diretor se ele opta por sempre descartar
uma imagem em benefício de outra, que logo é descartada em benefício de outra,
que logo é descartada em benefício de uma manutenção de ritmo e não de presenças
em quadro com as quais podemos nos relacionar. Ritchie é um diretor dependente
até a medula de um montador disposto a apertar os botõezinhos quase o tempo todo
para propor uma sensação de movimento incessante e não de construção de um mundo
com o qual nós podemos nos relacionar. Apesar dessa inconstância da imagem, Downey
Jr, mesmo sem ser beneficiado necessariamente pelas escolhas do diretor, consegue
duelar com as escolhas, aproveitando cada plano, cada palavra, para não levar
uma rasteira. Janeiro de 2010
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