Simples Mortais, de Mauro
Giuntini (Brasil, 2007)
por Paulo Santos Lima A
cidade que tira o foco
O cinema que vem sendo
produzido em Brasília, filmes de José Eduardo Belmonte à frente, exibe um espaço
bastante próximo ao de São Paulo, sobretudo por sua arquitetura e aridez humanas
que servem aos discursos distópicos e diagnósticos sobre a crise nacional. Em
Simples Mortais, primeiro longa do também professor Mauro Giuntini, temos
um pequeno painel de frustrações humanas sitiados na capital do país. O tema,
em si, já aproxima o longa de parte do cinema independente americano, acostumado
a detectar doenças sociológicas a partir da esfera familiar, ou usar essa mesma
família metonimicamente como símbolo do país. Mas, de certo modo, Simples Mortais
parece mais preocupado em destrinchar existências individuais. Temos
um professor (Leonardo Medeiros) que não consegue concluir a sua realização existencial,
um livro de poesias. Um pai músico que salva o orçamento tocando piano em churrascaria
e cuja relação com o filho não é das melhores. Uma jornalista de TV que tenta
ter filhos ao mesmo tempo em que seu casamento com um ator de teatro vai mal e
ela, mais que todos, sabe da podridão que é cobrir política em Brasília. A esposa
do professor-escritor não poderia ser esquecida, uma vez que o casamento deles
está no minuto final do 2o tempo e uma aluninha ninfeta acende a lâmpada
sexual do mestre. Portanto, estamos num biomapa que desenha frustrações, solidões
e impossibilidades de um punhado de personagens. Mas
Brasília é quase um ímã ao roteiro de Di Moretti, o que está prescrito logo no
início do filme, quando surge uma equação entre o plano dos óculos caídos do professor,
mostrando que as coisas não estão nada boas, e passeios da câmera por espaços,
ruas, edifícios da capital. Em síntese, a partir dos personagens, há a intelectualidade,
a arte e o poder, todos corrompidos ou falidos graças à ruína do sistema. A simbologia
não consegue espelhar muito além do velho discurso da cidade que devora o homem,
ou do sistema que barra a filosofia de vida, mas é na dramaturgia, talvez, que
há o maior problema, que deságua na direção de atores e nos diálogos – o que é
grave longa tão entregue ao drama de seus personagens. Seria injusto, contudo,
não destacar a soberba relação entre pai e filho músicos, que poderia ser a placa
orientadora de todo o filme. Após vermos uma série de cenas com o pai reprimindo
seu moleque, de repente, o rapaz ensina o pai a fumar um baseado e, descontraídos,
cantam e tocam juntos, num entendimento que se dá admiravelmente pela fluidez
dos acontecimentos. Porém, o texto pega novamente nas rédeas, e voltamos ao teatro
da crise. O final, por sua vez, alimenta uma tese sobre finais
abruptos que vêm pululando em nosso cinema – e no “cinema de arte”, esse de festivais,
muitas vezes. É um último plano infernal, bastante complicado, que resume a história
numa metáfora meio tola: um elevador com os personagens dentro, no hospital, todos
dodói, porta fechando e os personagens visíveis pela estreita escotilha, apontando
um certo fundo do poço insolúvel ao qual eles estão fadados. Nada surpreendente
para um filme que em momento algum desrespeita seus personagens, mas os olha um
tanto de cima e inclusive, por esse final, larga-os à desgraça. Outubro
de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
|