Serpentes a Bordo (Snakes on a Plane),
de David R. Ellis (EUA, 2006)
por Cléber Eduardo

Humor sob controle

Há dois filmes com problemas de comunicação um com o outro em Serpentes a Bordo. Um é mais ou menos familiar em sua premissa: um policial tem que levar uma testemunha para depor e, no avião, enfrenta situações planejadas para abortar sua missão. O outro filme, que não deixa de nascer desse segmento de “thriller aéreo”, bagunça o coreto. Seu material são os estragos cometidos por cobras programadas para fazer suquinho de sangue de cada corpo na aeronave. Temos assim os “monstros” (em versão sem vergonha de Alien) e a inserção da violência nonsense, cômica em sua realização, que convive, paralelamente (sem hierarquia na estrutura da narrativa), com o thriller a sério. E assim vemos tanto um suspense burocrático quanto um trash sem espírito de porco.

Sabe-se que o filme, ainda em sua fase de realização, tornou-se cult. Caiu na listinha de obsessões temporárias dos cidadãos da Internet. A interação entre o público potencial e a produção foi tamanha que, dispostos a interagir com os internautas, os realizadores chegaram a filmar novas imagens, baseados nas sugestões dos pré-fãs do filme. Talvez esse hibridismo de programação e de realização seja um dos motivos dessa impressão de dois filmes misturados em um único. Um deles planta o suspense, a tensão, até o sentimentalismo. O outro está incumbido de testar alguns limites em matéria de humor sádico, transformando as tipologias caricaturizadas em um saco de pancadas do exercício sádico dos realizadores.

O humor é uma prática não normatizada. Ao contrário: sua motivação está em desnormatizar, superar os limites da boa educação, do politicamente correto, procurando o riso no proibido, em situações que, para os padrões culturais impostos como os certos, não pega bem usar como matéria de diversão. Mas quando não se produz o absurdo ou o atentado às convenções com radicalidade, situação aqui detectada, toda a dinâmica de ameaça ao espectador sobre qual a próxima imagem a ser mostrada soa tola, inofensiva – seja pelo grau envergonhado de violência, seja pela prisão do humor ao constrangimento e ao patético imposto aos personagens. Há pouco de selvagem nessas cobrinhas virtuais, e mais molecagem de ocasião – surgem apenas uma ou outra situação realmente mais subversivas (como a proximidade das cobras com crianças e o serviço erótico prestado por uma delas).

É fato, porém, que não deixa de haver uma “atitude” em dar, no final, o avião para ser salvo por um negro nerd, que usa seus conhecimentos de viciado em games para intervir na realidade. Sim, porque dos personagens às situações, Serpentes a Bordo, como seu herói ao final, nasce da representação, de uma cultura cinematográfica já naturalizada na cultura ocidental – por isso, nada mais adequado que ser encerrado com um piloto de ações virtuais.


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