Só Dez Por Cento é Mentira,
de Pedro Cezar (Brasil, 2008) por Francis Vogner
dos Reis
O
poeta é o escritor Se há uma qualidade
em Só Dez Por Cento é Mentira é se voltar exclusivamente
à obra de Manoel de Barros e trazer de sua biografia (a biografia real,
porque, segundo o filme, há a "biografia inventada") só
o que é fundamental para compor um perfil de poeta e poesia. Existem intenções
de uma nobreza fundamental. Só que sabemos que intenções
como gênese de projeto não dão garantia alguma de bom resultado
estético. Ou seja: Só Dez Por Cento é Mentira é
cuidadoso em seus princípios, atabalhoado em seus meios e tímido
em seus resultados. Acontece
que a busca de imersão poética no universo de Manoel de Barros gera
momentos de embuste poético. As imagens com as crianças brincando,
as ruínas, as intervenções de trechos de poesias de Manoel
de Barros, correm na contramão do esforço poético de Manoel
de Barros, que, apesar de possuir um onirismo latente, abre mão da abstração
para dar forma às coisas que a razão não encampa. Já
esses elementos cinematográficos de Só Dez por Cento é
Mentira tendem a uma abstração e a uma beleza poética
(entenda-se aqui poética como beleza que não se expressa em imagens)
que acaba por trair o personagem. Fazer imagens poéticas no cinema tende
à abstração. E como toda imagem cinematográfica é
concreta em certo aspecto (procura dar corpo às coisas), intenções
poéticas são puro vapor. O filme encontra depoimentos
interessantes nos artistas plásticos e amigos de Manoel de Barros. Ao dar
substância às imagens, torna uma série de figuras poéticas
(como o esticador de horizonte) em imagens concretas. Ai reside uma contradição
interessante, porque acusa a impossibilidade da tradução de um universo
poético-literário em imagem concreta. Em certa medida é irônico,
mas não parece fascinado ou interessado na potência da contradição.
O documentário de Pedro Cezar encontra sua razão de ser num dado
muito simples: nas imagens do próprio Manoel de Barros. O resto é
equívoco. Não que os depoimentos sejam reveladores em termos de
informação (essa não é a questão), mas eles
desautorizam toda a construção do restante do filme. O autor e sua
poesia não podem ser traduzidos ou vistos com a consciência que se
está transformando aquilo em "cinema". O valor aqui está
na objetividade da fala do poeta, a única maneira de se aproximar, minimamente,
da gênese de sua poesia. Julho
de 2009
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