Solo, de Ugo Giorgetti (Brasil, 2009)
por Filipe Furtado

Pé, e cinema, envelhecidos

Logo no começo de Solo, Antonio Abujamra narra a história de como, em certo dia, ao se abaixar para colocar suas meias olhou o próprio pé e não reconheceu-o. O pé se transformou, mudou para pior. A mesma história pode ser adaptada para qualquer um dos filmes anteriores de Ugo Giorgetti só que invés de um pé, ela envolveria algo público e maior. A grande diferença entre Solo e os outros trabalhos de Giorgetti está justamente ai. Trata-se de, como o título sugere, um monólogo, um filme visivelmente pensado como menor em que as preocupações do cineasta se tornam micro. O pé envelhecido do personagem de Abujamra acaba contendo todo o seu cinema.

A diferença entre o pé de Abujamra e o meio do futebol de Boleiros também nos diz muito sobre o porquê Solo é um filme que sustenta seu interesse. Se a amargura e o decadentismo sempre foram motores do cinema de Giorgetti, com passar do tempo estes sentimentos se infiltraram de tal forma no seu cinema que passaram a sabotá-lo (pensemos na anemia do Boleiros 2 quando comparada ao original). Pois, ao mover-se do macro para micro, Giorgetti renova um pouco do interesse no seu cinema. A vida que o homem nos narra retoma uma série de elementos conhecidos, mas a filtra por uma experiência particular. É a especificidade que este homem acrescenta, e é por isso que seu pé envelhecido talvez seja uma imagem da decadência mais forte que algumas buscadas antes por Giorgetti: o pé é somente dele.

A opção por filmar um monólogo também parece significar mais um estágio na forma como o decadentismo se instalou no cinema de Giorgetti. Ao eliminar o mundo por completo do seu filme, Solo completa a recusa que filmes anteriores sugeririam assim como a passagem do macro para o micro. É como se o cinema de Giorgetti finalmente fechasse sobre si mesmo. Além disso, como Giorgetti sempre teve intimidade com espaços fechados (seu filme mais significativo segue sendo Festa, afinal), a proposta de Solo parece infalível. Só que logo fica claro que a despeito do projeto arejar as idéias de Giorgetti, seus instintos seguem atrofiados. Solo sofre de uma dificuldade de manter sua própria atenção focada, o que não deixa de ser impressionante para um filme tão deliberadamente simples. A montagem parece conspirar contra o trabalho de Abujamra a cada novo corte. Pior ainda são as projeções ao fundo que ilustram e reforçam as histórias que o personagem conta, e invariavelmente empobrecem estes momentos. Assim, Solo se auto-sabota o tempo todo; é um filme sem a convicção da sua recusa completa do mundo.

Novembro de 2009

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