Soul Kitchen, de Fatih Akin (Alemanha, 2009)
por Fabio Diaz Camarneiro

Comida exótica

Em seu surgimento, o cinema era visto como uma arte menor. Atores de teatro pediam para não terem seus nomes nos créditos, ou simplesmente se recusavam a trabalhar nos filmes. Diretores e equipes técnicas, muitas vezes, eram aventureiros, gente de índole duvidosa e, não raro, imigrantes (quase todos os grandes estúdios de Hollywood foram fundados por gente de fora dos EUA.) Apenas bem mais tarde o cinema ganhou glamour. Uma coisa parecida acontece com a culinária. Cozinhar era uma atividade desprezada, muitas vezes relegada (de novo eles) a imigrantes que não sabiam falar os idiomas locais, o que não os impediria de mexer panelas e lavar pratos. Mas o glamour alcançou a cozinha: saber fazer um risoto tornou-se sinal de sofisticação, programas de TV sobre o assunto se multiplicam a cada dia e alguns chefs são tratados como verdadeiras estrelas pop. Naturalmente, o cinema, ainda o grande avalista cultural dos nossos tempos, também começou a prestar atenção em cozinheiros, panelas etc., como no mais recente filme de Fatih Akin.

Como em seus longas anteriores, o foco está nos imigrantes, em uma Alemanha nem sempre simpática a eles. Mas, ao invés do desespero e niilismo de seus filmes anteriores, Soul Kitchen é uma comédia sobre dois irmãos, os Kazantsakis, às voltas com um restaurante. A partir de Soul Kitchen (o restaurante), Akin parece mapear as forças envolvidas no cotidiano dos irmãos: os agentes do governo são um bando de fiscais que, apesar de rigorosos, também podem ser justos; os alemães representam a tradição (a família da namorada), o dinheiro (um antigo amigo de faculdade, que surge repentinamente) e um certo capitalismo especulativo, que tenta lucrar a qualquer custo – no caso, comprando o terreno onde fica o restaurante; os funcionários são todos deslocados (ou “descolados”): um guitarrista, uma aspirante a artista plástica, um chef de cozinha metido a guru.

Akin tenta retratar como essas pessoas se colocam no mundo em que vivem. Um exemplo são as sequências que tratam das mudanças no cardápio do restaurante. Antes, os personagens do filme ficavam nos bastidores, servindo “o de sempre”. Quando o menu é reformulado, o lugar esvazia, pois os frequentadores não querem criatividade, apenas que os imigrantes cozinhem sua comida e limpem seu chão. Logo, um novo público aparece: pessoas mais jovens, que entendem a nova comida (agora “glamourizada”) e que buscam outras experiências além da comida: música, arte etc. Combinações que apenas o exotismo de um restaurante grego pode oferecer. Se os imigrantes dos filmes de Fatih Akin antes sofriam com a busca pelas suas origens, agora eles se entorpecem com um mundo globalizado, festivo e “descolado”. Como dizia o título de outro filme: 24 hour party people.

Como estamos em uma comédia, tudo poder dar errado para depois dar certo. As soluções surgem sempre de maneira inesperada, quase mágica, o que garante a Soul Kitchen um ar de conto de fadas, repleto de “golpes de sorte”: uma herança inesperada, a aparição de um curandeiro turco, os mirabolantes eventos em um leilão. Akin oferece aos imigrantes (e aos cozinheiros) uma solução, ainda que precária: render-se ao exotismo (ou à glamourização). O filme parece funcionar assim como contraponto (e, de certa forma, como crítica) aos filmes anteriores do diretor. Não que aqui ele negue sua obra – ao invés disso, coloca-se um ponto de inflexão, uma interrogação sobre seus próximos passos como cineasta. Talvez, se seguir o caminho apontado por Soul Kitchen, um cinema mais pop, mais veloz, mais engraçado – e menos contundente em suas questões.

Abril de 2010

editoria@revistacinetica.com.br


« Volta