Superbad - É Hoje! (Superbad),
de Greg Mottola
(EUA, 2007)
por Eduardo Valente

Love story

Há em Superbad, em meio a todo seu humor, uma melancolia profunda acerca de algo que se perde para que se possa ganhar um outro algo, que poucas vezes foi filmada com tanta verdade e sentimento. E embora aparentemente o que esteja em jogo no filme seja a mais tradicional “passagem da adolescência para a vida adulta” (encarnada seja pela saída da high school para a faculdade, seja pela descoberta sexual), todo o entrecho dramático de Superbad de fato fala da separação iminente entre Seth (Jonah Hill) e Evan (Michael Cera), encenada pelo filme como o fim de uma relação amorosa (ou, pelo menos, uma relação amorosa da forma como ela era vivida até então) - como fica bem claro no olhar final de despedida entre os personagens na escada rolante do shopping (seguido da grua que sobe enquanto Seth “se perde no mundo” e é engolfado por um lento e emocional fade out final ao som de uma balada).

Já na primeira seqüência de Superbad, embora eles estejam prestes a se encontrar, Seth sente a necessidade de ligar para Evan no celular e conversar com ele enquanto dirige até a casa do amigo. Logo que Seth chega para buscá-lo, a mãe deste último diz para eles: “You two are funny...” (“vocês dois são engraçados”). Embora eles sejam sim engraçados no sentido da comicidade, a mãe de Evan se refere a estranheza de uma relação fora dos padrões – uma relação que ultrapassa, portanto, as fronteiras de uma normalidade “not-funny” (e somente no final do filme nós poderemos entender de fato a profundidade desta relação, embora ela já estivesse plantada ali mesmo naquela primeira seqüência). E é esta relação que estabelece a diferença fundamental de Superbad para a imensa maioria dos filmes adolescentes: se no jargão cinematográfico comercial existem os chick flicks (“filme de mulherzinha”, as comédias românticas mais melosas) e os filmes de ação e violência para os rapazes (além, claro, do queer film), aqui temos uma história de amor que se dá entre dois homens – sem que com isso o filme se constitua como um filme gay que satisfaça o espectador deste tipo de cinema.

Talvez fosse mais simples dizer que se trata de um filme sobre amizade - o que é óbvio que ele também é. Mas isso seria dizer que o que existe entre Seth e Evan seria facilmente definido por um termo tão geral quanto “amizade” quando, obviamente, se trata aqui de amor - como o filme faz questão de deixar claro na seqüência após a festa, em que eles se enchem de “eu te amo” (aliás, para quem gosta de curiosidades, é também um sussurrado "I love you" o som que fecha os créditos do filme, depois que já passaram todos aqueles nomezinhos). E a intensidade deste amor certamente não é diminuída pelo fato de que ele não se manifesta de maneira sexual.

Mais do que afirmar alguma “mensagem subliminar” do filme a partir disso, o que é importante em constatar este fato é que ele me parece central para o fascínio que Superbad claramente exerce sobre a platéia masculina – constituindo-o de fato como um autêntico guy flick. Quão mais autêntico, aliás, justamente porque em sua estrutura ele não se escora somente no aspecto sentimental (ou seria um chick flick), muito pelo contrário: boa parte de Superbad é uma comédia de erros rasgada e insana, que tenta se aproximar do tipo de humor e visão irônica de mundo que claramente é caro tanto aos personagens quanto aos seus criadores.

Este pedaço do filme, onde a centralidade do relato é praticamente tomada por um terceiro amigo (numa criação cômica genial de diálogos e atuação, um destes personagens que nascem antológicos como o seu nome, McLovin) e sua relação com dois policiais, poderia a princípio parecer deslocado do eixo que acabamos de afirmar como o principal do filme. No entanto, mais tarde fica claro que não é o caso, porque a comicidade quase over the top dos policiais logo se revelará não só uma construção em espelho da relação de Seth e Evan, como principalmente uma encenação que tematiza frontalmente uma questão central à amizade masculina (principalmente a adolescente, mas não só): a validação da sua imagem na aceitação pelo olhar do outro.

Seria muito tolo não perceber ou citar o quanto a verdade que emana da tela e dos diálogos em meio aos maiores absurdos da trama de Superbad se deve ao simples fato de que a dupla de protagonistas divide seu nome com os roteiristas (Seth Rogen e Evan Goldberg). No entanto, também é importante não nos satisfazermos com a questão autobiográfica, pois existe algo além, que se dá entre o roteiro escrito e sua encenação por Greg Mottola e seus atores protagonistas (principalmente Michael Cera, com um domínio de comédia física e tempo cômico impressionantes), o que dá aos Seth e Evan ficcionais uma força na tela que vai muito além de questões de verossimilhança.

Trata-se de fato de uma questão de proximidade cinema/vida que parece transbordar da tela. E essa proximidade certamente ajuda a entender a utilização de referências constantes aos anos 80 (seja em músicas seja nas conversas dos dois policiais, que viveram sua adolescência então – assim como os roteiristas, e não por acaso um deles é o próprio Seth Rogen), assim como o fascínio representado no imaginário do filme pela iconografia dos anos 70 (desde o design dos créditos iniciais à trilha de músicas soul). No entanto, muito ao contrário de um Podecrer!, as lembranças e referências aos anos da juventude de roteiristas/diretor não engessam Superbad nem por um segundo, pois se elas povoam o imaginário do filme, ele tem os pés absolutamente fincados no hoje (de fato, sua encenação dos “costumes” da juventude atual chega perto do brilhante). A relação que o filme estabelece entre as décadas é simbolizada brilhantemente no diálogo em que um dos policiais imita Yoda para McLovin e depois tenta ver se ele compreende o ícone (“é o Yoda, do Ataque dos Clones, sabe?”).

É justamente esta tentativa de criar uma ponte entre o que viveram os criadores do filme na sua juventude e o que vive o espectador jovem de hoje, sem nostalgias ou hierarquias, que faz de Superbad algo tão autêntico e único.

Novembro de 2007


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