in loco - cobertura dos festivais

Terceira Estrela (Third Star),
de Hattie Dalton (País de Gales, 2010)

por Eduardo Valente

Até a morte

O início de Terceira Estrela promete quase nada: imagens de câmera na mão num encontro familiar, unidas por uma série de cortes pouco criteriosos e uma voz em off  em primeira pessoa do protagonista que vai nos apresentando cada um dos personagens com frases generalistas definidoras e colocando em primeiro plano a intriga principal do filme (o fato de que ele tem pouco tempo de vida por conta de um câncer). Logo, porém, este começo é colocado em perspectiva e entendemos sua utilidade (não que por isso ele se torne menos incômodo, apenas, como dissemos, perspectivado): de fato aquela cena não importa no filme a não ser como introdução apressada, o que se certamente é algo que os cineastas de uma Hollywood clássica já souberam fazer melhor (apresentar seus personagens com uma ação ou diálogo), não é necessariamente o maior dos pecados para uma cineasta galesa em seu primeiro longa que passa a sensação de “bater cartão” nesta primeira cena.

No entanto, toda burocracia informativa vai aos poucos saindo do filme a partir do momento em que ele parte na jornada que realmente interessa: o protagonista viaja com três amigos para uma visita final a um lugar isolado, uma baía de difícil acesso – tão mais difícil a partir do fato de que ele precisa de um complexo equipamento de movimentação que parece uma mistura de cadeira de rodas com um kart sem motor. Claro que nesta jornada afloram os esperados ressentimentos e declarações de amor entre os amigos, em tom de “fechamento”, assim como se explora a beleza acachapante da paisagem natural do País de Gales, com algumas recorrentes apelações a silhuetas dos quatro andando contra um pôr do sol. Mas a real surpresa vem do quanto de interesse Terceira Estrela, e sua diretora, conseguem extrair dessa situação potencialmente desinteressante e óbvia.

Em grande parte, isso se dá por um trabalho realmente preciso de atuação da parte dos quatro atores que, praticamente isolados em cena, vão criando um real sentido de camaradagem, sem fugir dos conflitos. Muito do melhor de Terceira Estrela se deve a estes momentos em que parecemos assistir a pouco mais do que a partilha por quatro amigos de um momento especial, à forma como o filme consegue nos colocar lá quase como um quinto viajante. No entanto, discreta mas bastante concretamente, o que realmente torna Terceira Estrela uma experiência forte é a capacidade de dar real peso à dor e o vazio que acompanham a presença física da morte. Afinal, se todas as imagens que o cinema cria não passam do registro da morte daquele mesmo exato momento capturado, por outro lado o cinema também empresta vida após a morte para estas imagens ao permitir que elas sejam repetidas (pelo menos teoricamente) por toda a eternidade.

Este estatuto duplo, de mausoléu e ressurreição das imagens, se mostra bastante potente num filme que lida justamente com a consciência destas duas dimensões que a viagem dos amigos possui: uma última viagem, que nunca será repetida por conta de uma pessoa que claramente se esvai frente aos olhos das outras, e que por isso mesmo luta para se construir como eterna quanto mais consciente se está da sua fugacidade.Ao final, quando finalmente se chega à baía procurada, Terceira Estrela está despido de todo o resto que o construiu, com sua eventual excessiva “convencionalidade” e apelo aos clichês, e nos olha de frente deste lugar incômodo que é a inevitabilidade da perda – sensação que não busca diminuir (pelo contrário, encena uma das mortes mais doloridas do cinema). É nesse momento que talvez funcione a favor do filme uma certa sensação de anestesia que sentimos nos episódios de menos força: nós somos pegos de surpresa por quão fundo ele está disposto a descer, e ao nos vermos lá talvez nem entendamos bem como chegamos nesse lugar – o que é um belo elogio para esta estréia na direção.

Outubro de 2010

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